Sempre fui uma pessoa fascinada pelo Jesus Histórico. Tal fascinação me adveio, pela sua identificação, com as causas dos pequenos. Senti isto dentro de mim ainda muito cedo. Quando cheguei ao curso de teologia, esta admiração se transformou em um estudo aprofundado da Cristologia. Dois professores, particularmente, chamaram a minha atenção. Um deles, o professor João Resende Costa, pelo seu vasto conhecimento em Cristologia. Fez a sua Páscoa precocemente. O segundo foi o padre Pegoraro, pela encarnação do nazareno em sua pastoral, numa coerência de vida à causa dos pobres da arquidiocese de São Paulo. Ambos me ajudaram muito a traçar o meu caminho, no seguimento de Jesus.
Quando cheguei à Prelazia de São Félix, no início da década de 90, esta cristologia que tanto estudei, ganhou corpo e alma na pessoa do bispo Pedro. Um homem sumamente cristológico. Ele sim tinha uma vivência profunda do Jesus histórico, a quem carinhosamente chamava de “a testemunha fiel”. Todas as vezes que desanimados, pensávamos em desistir no meio das batalhas, lá vinha Pedro dizendo: “coragem, ELE venceu e é um conosco” O Ressuscitado caminha conosco. Ele vive!
Sempre tive muita dificuldade de entender o Jesus manso e humilde de coração: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29) Não que Jesus não tenha sido esta figura emblemática, definida pela narrativa de Mateus. Talvez porque, a igreja ao longo dos anos, foi interpretando esta passagem, dando uma conotação de um Jesus domesticado, e afeito às conveniências daqueles que não tem envolvimento maior com a causa dos pequenos. Esse Jesus sempre foi invocado para dar guarida aos interesses daqueles que não pensam numa sociedade que precisa ser mudada, para caber dentro dela os destinatários do Reino de Deus.
Neste sentido, as orações piedosas, enaltecem este Jesus manso, esquecendo-se daquele Jesus revolucionário, que se insurgiu contra o templo, centro político, econômico e religioso da época. Expulsando, inclusive aqueles que usavam o espaço do sagrado para a corriqueira prática de negociatas, não permitindo que os pobres adentrassem ao templo. Haja chicote para Jesus nos dias de hoje, com tantos templos por aí afora, que fazem de tudo, menos trabalharem pela inclusão dos mais vulneráveis, ou pela transformação da realidade de opressão.
Uma das melhores leituras que fiz deste Jesus Histórico se deu através do livro “Jesus, aproximação histórica”, do sacerdote espanhol José Antonio Pagola, publicado pela Editora Vozes, Petrópolis. O referido autor foi muito feliz ao nos apresentar uma investigação aprofundada sobre essa figura admirável de Jesus: o seu dia a dia na Palestina, suas lutas cotidianas, sua força e originalidade, atuando naquele contexto histórico. Um homem de tão humano que, que só poderia ser Deus mesmo. E ainda nos mostrando o rosto de um Deus extremamente misericordioso e preocupado com os seus. De leitura imprescindível. Aconselho.
Evidente que Jesus era um homem manso e humilde de coração, mas que não se escondeu atrás deste pseudo manto, para deixar de enfrentar os poderosos de seu tempo, que massacravam os pequenos. Neste sentido, Ele tinha claramente o seu lado na história: defender os interesses e a causa dos pequenos. Coisas que não estamos vendo acontecer naqueles que se colocam na estrada com Jesus, e se propõem fazer sua caminhada seguindo os passos d’Ele. Esse Jesus manso e conformado, sempre foi invocado para estar ao lado dos alienados, ou daqueles que não querem envolver-se na luta por outra sociedade possível. Agarra-se a este Jesus, que em momento algum, os conclama a definir, de que lado vão estar, neste processo de transformação. Os padres acomodados também adoram este Jesus cordeirinho. Nas suas homilias fazem questão de enaltecer esta figura, até para que não sobressaia a sua prática pastoral defasada e sem comprometimento com o Reino dos pequenos.
“Jesus era o cara!” Me disse outro dia um professor indígena. Um homem tão revolucionário que acabou sendo pregado numa cruz. Tinham que dar um fim n’Ele, imagina, se contrapor ao todo poderoso Império Romano. Acabou sendo assassinado como um prisioneiro político. Embevecido deste mesmo Jesus Histórico, Pedro assim se referia em um de seus poemas: “É hora de suar com a Sua agonia, É hora de beber o cálice dos pobres e erguer a Cruz, nua de certezas, e quebrar a construção – lei e selo – do túmulo romano, e amanhecer a Páscoa.” (Pedro Casaldáliga)