Reflexão litúrgica: sexta-feira, 09/02/2024
5ª Semana do Tempo Comum
Na Liturgia desta sexta-feira, 5ª Semana do Tempo Comum, veremos na 1a Leitura (1Rs 11,29-32.12,19), que a infidelidade provoca cisma no povo de Deus. Tem início uma longa história de desventuras, embora Deus permaneça fiel e venha a realizar de qualquer modo seu desígnio por meio dos restos, ainda que muito frágeis, da casa de Davi. E hoje? Quantos cismas, divisões, ódio, apesar da vinda de Cristo.
Rezemos para que sejamos fiéis ao Evangelho e sejamos instrumentos de união e de paz num mundo tão conturbado e violento.
No Evangelho (Mc 7,31-37), vemos que Jesus abre os ouvidos e solta a língua de um surdo-mudo, sinal da presença de seu poder salvífico: “Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem”. A intenção do evangelista Marcos, neste trecho, é mostrar que os verdadeiros surdos são os discípulos de Jesus que, apesar de estarem na companhia do Mestre, de ouvirem seus ensinamentos e verem sua prática, ainda não entendem que tipo de Messias ele é. São cegos, surdos e mudos, porque, além de não entenderem quem é Jesus, também não conseguem anunciar o seu evangelho com lucidez.
O milagre relatado neste texto é um sinal para dizer o que Jesus faz a uma pessoa no plano físico e indica o que Ele quer fazer a cada um, também, no plano espiritual. O homem curado por Cristo era surdo-mudo, não podia comunicar-se com os outros, ouvir sua voz e expressar seus próprios sentimentos e necessidades. Se a surdez e mudez consistem na incapacidade de comunicar-se corretamente com o próximo, de ter relações boas e belas, então, devemos reconhecer que todos somos, uns mais, outros menos, surdos-mudos, e é por isso que Jesus dirige a todos aquele grito: efatá, abre-te! A diferença é que a surdez física não depende do sujeito e é totalmente sem culpa, enquanto a surdez moral é culpável. É essencial para os discípulos abrir-se à palavra de Jesus. Só assim eles poderão ser transformados por ela, e, só assim, poderão transmitir ao mundo a novidade que Jesus vem realizar: “Ele tomou nossas fraquezas e carregou nossas enfermidades” (Mateus 8, 17).
Hoje, ainda nos deparamos com surdos e mudos que se enclausuram em si mesmos, não se abrem aos outros, não criam um canal de comunicação com os semelhantes nem reconhecem suas necessidades. O que, contudo, decide a qualidade de uma comunicação não é simplesmente falar ou não falar, mas o amor. Santo Agostinho, num belo texto sobre a caridade, já nos dizia:
“Não se distingam as ações humanas a não ser pela raiz da caridade. Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem! (Comentário da 1ª Epístola de São João VII, 8).
Encerro esta reflexão dizendo que, para Santo Agostinho, a grande realização da caridade é a de tornar-nos semelhantes a Deus, o que comporta dois aspectos: O primeiro diz respeito ao momento da criação, quando Deus faz o homem à sua imagem e semelhança; neste sentido, todo homem carrega dentro de si esta imagem divina. Um segundo momento é quando o homem, por sua livre vontade, deve esforçar-se para imitar o modo de amar de Deus; neste último aspecto, tornam-se semelhantes a Deus os que O buscam e O amam verdadeiramente. Este segundo momento é, na verdade, uma restauração do primeiro, visto que, ao assemelhar-se a Deus pela caridade, o homem não está fazendo outra coisa senão restaurando em si a imagem divina deteriorada pelo egoísmo. Assim, ao tornar-nos semelhantes a Deus, a caridade nos faz também filhos seus: “A caridade é o único sinal que distingue os filhos de Deus dos filhos do demônio” (Comentário da 1ª Epístola de São João V, 7). Assim como entre os homens é a semelhança física o que caracteriza alguém como filho de outrem; do mesmo modo, o sinal distintivo dos verdadeiros filhos de Deus é, exatamente, a vivência da caridade. Embora muitos aleguem ser filhos de Deus, somente os que amam com caridade, de fato, o são. Portanto, se quisermos ser realmente felizes, não devemos perder tempo com amores frívolos, egoístas e passageiros; ao contrário, amemos, sem reservas, a todos: parentes, amigos, inimigos e, especialmente, os pobres deste mundo. Seremos felizes nesta vida e por toda eternidade se todas as nossas ações forem movidas pelo amor, mas não por qualquer amor, e sim por aquele que chamamos de amor fraterno ou de perfeita caridade.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.