Quarto domingo do Advento. O último antes do Natal. Como é comum neste domingo, a liturgia nos coloca no clima da preparação para o Natal do Senhor. Sendo assim, os trechos que são lidos nesta ocasião são aqueles que tratam da infância de Jesus. Como estamos no Ano Litúrgico A, o texto da vez é o do evangelista Mateus (Mt 1,18-24). O Advento visto à luz da ótica de Mateus, como caminho pedagógico, expressando o caráter espiritual e teológico deste tempo do Advento. A vida nova nasce na perspectiva de Deus a partir de um menino, abrindo um novo horizonte para a história da humanidade. Deus vem visitar o seu povo a partir da realidade na simplicidade de Maria e José.
O clima é de festa, mas a realidade histórica nos coloca diante de uma grande perda para o mundo da literatura. No dia de ontem (17), a nossa grande escritora carioca Nélida Piñon fez a sua páscoa definitiva, aos 85 anos. Ela que era integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde o ano de 1989, sendo a primeira mulher a presidir aquela entidade nos anos de 1996-1997. A literatura está de luto. Perdemos uma das nossas mais brilhantes escritoras. Dentre os seus livros, um dos que mais me chamou a atenção foi “A República dos Sonhos”, publicado em 1984 em que ela retrata a trajetória e os desafios dos imigrantes que chegaram ao Brasil no início do século XX. Como ela mesma gostava de dizer: “Se a imaginação edifica enredos de amor, o corpo fatalmente sofre seus efeitos”.
A notícia boa desta semana ficou por conta do Congresso Nacional que, felizmente derrubou, o veto do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 488/2021, chamada de Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe que as prefeituras coloquem obstáculos para moradores de rua acessarem os espaços públicos. A sensatez dos parlamentares falou mais alto que a desumanidade descabida do ocupante do Palácio do Planalto, com o argumento falacioso de que a referida lei em questão tiraria a liberdade de governança da política urbana. Ou seja, governança para não permitir que as pessoas em situação de rua se alojem nos espaços públicos disponíveis. Neste sentido somos obrigados a concordar com o físico alemão Albert Eisntein (1879-1955) que dizia: “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, mas sim por aquelas que permitem a maldade”.
Já estamos entrando no clima do Natal e a liturgia nos preparando para celebrar com alegria e entusiasmo mais um Natal do Senhor. O quarto domingo do advento é o ponto alto desta preparação. Para esta ocasião sempre lemos a narrativa dos evangelhos da infância de Jesus. Tanto Mateus quanto Lucas se ocupam em nos trazer trechos da infância de Jesus. Como estamos no Ano A, o Evangelho da vez é o de Mateus. Se em Lucas, a ênfase é dada na pessoa de Maria, Mateus foca na pessoa de José, o “homem justo”. Se nos domingos anteriores do Advento, o foco estava na pessoa do precursor, neste quarto domingo refletimos sobre José e Maria, como personagens humanos, contribuindo diretamente com os planos de Deus na sua encarnação em nossa realidade humana. O divino de Deus se fazendo humano nas pessoas de “Seu Zé” e “Dona Maria”, trazendo Jesus para o nosso meio.
Situação embaraçosa para ambos, pois a Virgem aparece grávida por obra e graça do Espírito Santo. Vai explicar tal situação para aquela sociedade machista, patriarcal, moralista, em que a mulher era considerada como um ser secundário. Aparecer grávida sem estar casada ou comprometida com alguém era sinal de morte na certa por apedrejamento em praça pública. Portanto, a situação para José não era das melhores e ele já estava arquitetando os seus planos: “José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo”. (Mt 1, 19) Mas a ação de Deus é rápida e orienta aquele pobre homem a não agir por impulso: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo de seus pecados (Mt 1, 20-21) Felizmente José acatou a orientação de Deus e se fez servo de seu projeto.
Maria e José dois expoentes do projeto de libertação de Deus para os seus. Os planos do Senhor são insondáveis. De onde não se espera é que vem a novidade libertadora. Se Maria foi uma mulher guerreira ao enfrentar todo o preconceito daquela sociedade, José não fica aquém e faz o enfrentamento digno de um grande servo de Deus. Ao entrar na realidade humana, Jesus não é apenas filho da história dos homens. Ele é o próprio Filho de Deus, o Emanuel, Deus que está conosco. Ele inicia a nova história, em que as pessoas serão salvas – Jesus = Deus salva de tudo o que diminui ou destrói a vida e a liberdade. Se somos herdeiros do pecado original, em Jesus, toda a humanidade se redime e tem a chance de recomeçar uma nova história, agora com o Reino de Deus presente em nós. Jesus, Maria e José, a comunidade perfeita. Comunidade de muito amor e, como diria Santa Teresa d’Ávila, “Quem ama, faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.