Leitura orante

Sextou de novo! Uma sexta feira que levantei mais introspectivo. Confesso que o clima fechado e propenso a chuva ajudou neste meu estado de espírito. Lembrei de uma das frases atribuídas a Santa Terezinha do Menino Jesus quando ela dizia: “Eu não posso ter medo de um Deus, que por mim se fez pequenino”. Eu diria que também não devemos temer a noite escura do momento que ora estamos vivendo. Acreditar em Deus é um jogar-se no abismo de nossa existência, sabendo que ELE estará ali para nos acolher com a sua amorosidade de Pai/Mãe de todos nós.

Rezar é colocar-se antes de tudo na presença de Deus e se fazer presente a nós mesmos, com todos os desafios que se apresentam no dia a dia. Reservar momentos para estar a sós com Deus e conosco mesmos. Mesmo com os pingos de chuva a cair, rezei hoje na companhia dos pássaros que, ecumenicamente, se juntaram para saborear as doces jabuticabas. Uma legião deles ao mesmo tempo, fazendo pender as galhas da árvore. Cada qual deles falando em seu dialeto próprio, prefigurando um paraíso de alegria infinda.

Esta forma de oração, aprendemos com o nosso Pedro, que já nas primeiras horas do dia, se fazia presente na simplicidade da capela dos fundos de sua casa, para o seu momento de estar a sós com Deus. Mesmo que chegasse cansado das viagens que fazia, lá estava ele na manhã do dia seguinte rezando. Eu ficava incomodado vendo aquele homem rezar. Não se ouvia um balbuciar qualquer, nem movimentos em seus lábios, mas o seu olhar se fazia distante, numa sintonia com algo mais alem.

A oração faz parte da vida cristã. Ela é considerada um alimento que nos vai nutrindo em nossa caminhada de acertos e desacertos pela vida afora. Em meio a turbilhão de nossas vidas, precisamos encontrar tempo para dedicar alguns instantes para estar a sós com Deus. E quando rezamos, não devemos ficar preocupados se Deus vai ou não ouvir a nossa oração. O mais importante não é Deus ouvir as nossas preces, mas afiar os nossos ouvidos e coração para ouvir o que Deus tem a nos dizer. Ele sabe de tudo o que necessitamos. Apenas nós é que não sabemos ao certo ainda. Mais do que repetir mecanicamente um amontoado de palavras, necessitamos calar-nos para ouvir nossa voz interior e a voz do nosso Deus que brota das entranhas de nosso coração.

Pedro era um homem de profunda oração. Rezava sempre. A sua oração era a fonte de sua vitalidade e que o mantinha em sintonia com Deus e com as causas de Jesus. Não se deixava trair em sua fidelidade e consciência profética. Creio que aí residia seu segredo e toda a sua tenacidade. Embora sendo um homem bastante franzino, era de uma resistência que impressionava a todos que o conheciam mais de perto. Os grandes místicos, sempre mantiveram esta sintonia de proximidade com Deus. Pedro era este modelo de homem de oração para todos nós a sua volta.

O Papa João Paulo II, durante o seu pontificado (1978-2005), frequentemente dizia que o grande problema da modernidade era o fato de as pessoas terem perdido a capacidade de fazer silencio, razão pela qual tinham grande dificuldade de ouvir a sua voz interior. Faz sentido esta observação feita pelo papa, uma vez que nos habituamos com o excessivo barulho que comumente fazemos. O silencio nos incomoda. Mais do que um antídoto contra todos os males, a oração nos fortalece na nossa caminhada de fé e nos ajuda no discernimento, quanto ao que Deus quer que façamos das nossas vidas. Ela nos coloca em sintonia com o Deus da vida, e também irmanados na caminhada de fé dos nossos irmãos, construindo o Reino entre nós.

Uma das grandes contribuições do biblista carmelita Frei Carlos Mesters foi de nos ajudar a entender melhor quanto a uma “leitura orante da Bíblia”. O texto bíblico nos sustenta e muito nos inspira no encontro com Jesus de Nazaré. Ele nos orientando e anima na nossa prática cotidiana da justiça e da solidariedade. Todavia, a leitura destes textos nem sempre nos esclarece em muitas coisas. Quando lemos o texto na companhia de outras pessoas e cada uma delas expressa o seu entendimento, o texto vai ganhando forma e assim passamos a entender melhor muito do que fora escrito ali naquele contexto. Sempre com um olho na Bíblia e outro na realidade que ora estamos vivendo. Aquilo que a Igreja chama de Lectio divina, ou Leitura Orante, que é uma prática e método de oração, reflexão e contemplação praticado pelas pessoas desde os tempos mais antigos, que nas nossas comunidades chamamos de círculos bíblicos. Aqui na nossa prelazia são os grupos de rua das famílias que se reúnem para refletir a palavra de Deus a luz da realidade. Que saibamos reservar momentos assim, principalmente nessa hora de nossa história, em que muitos de nós, perderam o sentido da vida e estão desesperançados, frente aos horrores de uma pandemia que assusta cada vez mais.