Lugar do discipulado

29º domingo do tempo comum. Outubro vai dando o ar da graça. Vamos caminhando devagar em direção ao ocaso de mais um ano pandêmico. Os dias passam no compasso das horas. Como diz a expressão em latim, “Tempora mutantur” – os tempos mudam e com eles nós, já nos dizia o saudoso professor José Braga, nos meus bons tempos de seminário nas aulas de latim. Seguimos nesta cadência à espera de dias melhores, que se perdem no horizonte de nossas expectativas. Torcendo para que o relógio do tempo nos faça uma grata surpresa e antecipe o sol deste amanhã.
Neste domingo, a Igreja Católica celebra a Festa de Santo Inácio de Antioquia (35 d.C – 108 d.C). Um dos mártires dos primeiros anos do cristianismo. Sucessor de São Pedro, como terceiro bispo em Antioquia da Síria, que no ano 107, foi servido como alimento às feras no Coliseu em Roma, como era de praxe acontecer aos seguidores do Ressuscitado. Uma de suas frases dá-nos a dimensão da necessidade da união dos cristãos: “Pela Cruz, Ele vos conclama em sua Paixão como Seus membros. Não pode uma cabeça nascer sem membros, uma vez que Deus nos promete a unidade que é Ele próprio”.
O meu domingo antecipou o Dia do Senhor. Madruguei com a aurora e me fiz presente com os meus parceiros de cada manhã em meu quintal. As inúmeras cigarras, com o seu canto, prenunciavam o dia que se avizinhava. Enquanto isso, as pequenas pipiras degustavam alegremente em festa as doces jabuticabas, sem se importarem com a minha presença próxima delas. Acho que presumiam de que não iria importuná-las no seu “café” matinal. Apesar do prenúncio de chuva, com as densas nuvens, a meteorologia falhou, deixando em seu lugar o frescor de uma manhã benfazeja, dando conta de um dia diferente dos demais, no lugar do costumeiro calor.
Acordei sendo influenciado pelos acordes nostálgicos. A saudade acampou em mim nesta doce manhã primaveril. Talvez por causa do aroma suave de uma das flores que chegava às minhas narinas. A natureza com os seus encantos, sempre a nos surpreender. Assim, a saudade bateu forte no peito. Aliás, sou movido por este sentimento bom e prazeroso. Tem dias que a saudade é assim, tão forte em mim, bem maior do que a necessidade de esquecer o que quer que seja. É muita saudade para pouco eu, diria o sábio poeta. Como não sou um deles, contento-me em me fazer presente nestes simples rabiscos diários.
Há quem diga que a palavra “saudade” só existe mesmo na língua portuguesa. Especifica ou não da língua portuguesa, fato é que, algo semelhante a ela, vem do espanhol “Solitas”, que para alguns linguistas se aproxima originariamente da palavra solidão e solitude, mas que nenhuma delas tem relação direta com o sentido da palavra saudade. Outros ainda afirmam que a palavra saudade vem do latim “solitate”, que significa “isolamento, solidão”. O que importa mesmo é que a saudade habita em nós e faz-nos recordar dos bons tempos que já se foram, e que jamais serão apagados da memória, visto que trafega livremente em nosso coração.
Vivemos tempos diferentes em nossas vidas. Muitas de nossas certezas ficaram esquecidas nas gavetas do tempo histórico. Volta e meia, somos flagrados com o desejo de viver como dantes, em que transitávamos sem nos preocuparmos com o estar longe ou estar perto das outras pessoas. Éramos felizes, mas não tínhamos a dimensão exata do quanto éramos. A pandemia veio e ditou as regras sanitárias dos protocolos do bem viver, distanciando-nos daqueles e daquelas que tanto gostaríamos de tê-los por perto. Nunca pensamos que um aperto de mão, um simples beijo, e um caloroso abraço, nos fariam tanta falta. A dor do distanciamento é enorme e nos faz carentes da presença do outro em nós. Neste sentido, sou obrigado a concordar com o poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): “Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”.
Ainda bem que temos uma presença em nós que faz superar todas as demais ausências. Ele é um conosco e vai nos encorajando na difícil tarefa de ser presença de esperança neste mundo tão dilacerado pela dor. Uma dor imensurável, como bem o disse o poeta. Dor esta que pode ser compartilhada pelo sentimento de ternura e compaixão, sentimentos estes que transbordavam do coração do Nazareno. Entretanto, estando Ele a caminho de seu calvário, dois de seus seguidores, egoisticamente, queriam que o Mestre os reservasse lugares especiais: um à sua direita e outro à esquerda. Dando mostras de que nada entenderam de sua proposta messiânica. Quiçá não sejamos também nós, envolvidos nos mesmos desejos, de querer angariar privilégios, pelo fato de caminhar na proposta d’Ele e, mas que sejamos capazes de entender que a única coisa importante para o discipulado, é seguir o exemplo do Mestre: servir e não ser servido. Sempre!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.