Mãe profeta da libertação

 

Domingo, dia do Senhor! Este é o segundo domingo que estou em minha casa, vivendo um dia de cada vez, neste meu processo pacientemente de recuperação, mas lembrando do que disse Pedro num de seus poemas: “Saber esperar, sabendo ao mesmo tempo, forçar as horas daquela urgência que não permite esperar” (Saber esperar, poema de Pedro Casaldáliga) O dia de hoje não é um dia qualquer. É um domingo que descansamos; reunimos em comunidade, para celebrar a memória do Ressuscitado; convivemos em família, confraternizando com a vida de todos e todas. Lembrando que, etimologicamente, a palavra “domingo” advém do latim “dies dominica”. Que tem também a sua origem grega, que traduzido, quer significar: Dia do Senhor. Dia do Ressuscitado, uma vez que é o primeiro dia da semana. Foi neste dia, que Jesus Ressuscitou, vencendo a morte, trazendo-nos a vida e derrotando rodas as formas de opressão e se tornando o Senhor nosso na nossa história de vida.

Rezei hoje inspirado pela canção do Frei Domingos dos Santos O. P. “Maria de Deus, Maria da gente”, que no seu refrão, assim se expressa: “Maria de Deus, Maria da gente. Maria da singeleza da flor. Vem caminhar, vem com teu povo. De quem provaste a dor.” Canção que nos traz fielmente quem foi Maria na história do cristianismo. Mais do que ser uma mulher submissa, como sempre quis a cultura machista e clerical, Maria é a mulher da libertação. Assumiu em si a luta, não somente das mulheres subjugadas, mas a luta de todos os pobres de Javé. Não foi atoa que ela incorporou em si o Magnificat, tão bem descrito pela Comunidade Lucana (Lc 1,46-55)

Mais uma vez me coloquei em atitude de profunda gratidão a Deus pelo dom da minha vida, e por ainda estar aqui. Estar vivo neste atual contexto é uma vitória. Estar vivo, depois da experiência que passei, é uma dupla vitória. Nasci de novo! Significa que o Senhor, ainda acredita em mim e me quer por aqui, cumprindo a minha missão junto aos povos indígenas, compromisso que assumi até os últimos dias de minha vida. Independente disso, todos e todas nós, precisamos agradecer a Deus, pelo dom da vida, a cada novo amanhecer, entendendo que cada dia é diferente do dia anterior. Assim, precisamos fazer a nossa parte, nesta missão de construir, um mundo mais igual para todos e todas, pois este é também o sonho de Deus.

Viver na simplicidade, assim como viveu Jesus. Vida que não é nossa, mas vida a ser doada às causas do Reino. O exemplo maior deste modelo de vida é Jesus. Exemplo a ser seguido. Entre nós, há também alguns modelos de seguidores de Jesus. Nosso bispo Pedro é um deles. Ele fez a radical opção pelos pobres e se deixou guiar pela sabedoria do povo simples. Sua vida e seu jeito de ser, falava por si. Seu exemplo de entrega e despojamento de vida evangélica, marcou a caminhada profética dele no meio de nós. Simplicidade e desprendimento de um pobre com e para os pobres. Viveu de forma fraterna e solidária no seu seguimento à Jesus de Nazaré, a quem se referia como “a testemunha fiel.”

Vidas estão sendo perdidas! Vidas importam! Todavia, vivemos hoje em meio a um capitalismo neoliberal voraz. Como um monstro que sacrifica vidas e se alimenta com o sangue e o suor dos pobres e indefesos vulneráveis. Sobre isto, Pedro foi muito claro e objetivo ao afirmar: “O capitalismo é um pecado capital. O socialismo pode ser uma virtude cardeal: somos irmãos e irmãs, a terra é para todos e, como repetia Jesus de Nazaré, não se pode servir a dois senhores, e o outro senhor é precisamente o capital. Quando o capital é neoliberal, de lucro onímodo, de mercado total, de exclusão de imensas maiorias, então o pecado capital é abertamente mortal.“ Este era o jeito revolucionário de Pedro seguir o Mestre Jesus, deixando transparecer no seu jeito de ser e viver sua radicalidade evangélica.

Pedro incorporou também em si o recado de Jesus, que pediu aos seus (e também a nós) que não levasse nada para o caminho. Mandou ainda que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. (Mc 6,8-9). Suas sandálias surradas e, seu jeito simples e modesto de ser, mostrou-nos que também nós somos continuadores da missão de Jesus. Desta forma, devemos estar livres e conscientes para dedicarmos tão somente à construção de uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Que não vivamos apenas por viver, contentando apenas com o mínimo que podemos fazer, mas que saibamos fazer de nossas vidas um serviço abnegado às causas do Reino. Que tenhamos como projeto para as nossas vidas aquilo que está descrito numa das estrofes do Pai Nosso dos Mártires: “Queremos fazer tua vontade, és o verdadeiro Deus libertador. Não vamos seguir as doutrinas corrompidas pelo poder opressor. Pedimos-te o pão da vida, o pão da segurança, o pão das multidões. O pão que traz humanidade, que constrói o homem em vez de canhões.” Que a Mãe da Libertação nos mostre o caminho a seguir.