Maria, a mulher do povo

Quarto domingo do Advento (20). No dia de hoje, fechamos assim o ciclo de preparação para o Natal. Dia de nos alegramos, pois estamos diante do anúncio da instauração do Reino de Deus, trazido pelo Messias, que nasce com a singela, mas fundamental contribuição de uma mulher do meio do povo. Uma mulher pobre, como eram as pessoas da periferia de Nazaré, na Galileia, que nem existia no mapa da época. O Deus da Vida Plena, que conta com a participação imprescindível desta corajosa mulher. “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra! (Lc 1, 38)

A primeira imagem que tive de Maria me veio através da minha mãe. Eu projetava na minha mãe o jeito da mãe de Jesus ser. Na minha infância, ela era a nossa guardiã para todas as horas. No seu jeito simples de ser, minha mãe encarnava em si, quem era Maria para mim. Foi ali que ouvi pela primeira vez a frase dita pela boca dela: “A mãe de Jesus é a mãe de todos nós”. Sentia-me uma criança muito feliz, pois, além de ter a minha mãe ali junto de mim, ainda tinha outra mãe, que era a mãe de Jesus.

Quando cheguei ao seminário (1976), fui aos poucos construindo a imagem desta mulher tão importante. Para isso contei com a contribuição do também seminarista Roberto Malvezzi (Gogó), que em 1978, nos deu de presente esta sua grande obra, “Cristificação do Universo”. Um disco de vinil (LP), pelo selo das Edições Paulinas, com a participação especial do padre Ronoaldo Pelaquin. Ali havia a canção “Mãe do Universo”, que viria ajudar-me a compreender um pouco mais sobre ela. Esta canção acordou-me muitas vezes pela manhã, já que o padre Pelaquin a colocava para o nosso despertar. https://robertomalvezzi.com.br/albuns/cristificacao_do_universo/

Gogó sempre foi uma cabeça pensante à frente de seu tempo. Na obra Cristificação do Universo ele busca inspiração, por exemplo, nos escritos do jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin. Foi através desta obra de Malvezzi que também me interessei pelos escritos de Teilhard, principalmente por causa da sua visão integradora entre ciência e teologia. Fui atraído e li fascinado a literatura produzida por este escritor, encantado pela sua formação científica, no campo da geopaleontologia, possibilitando-me a compreensão do desenvolvimento planetário e da humanidade.

Mas voltando à Maria, foi o nosso bispo Pedro que me fez conhecer outro lado da mãe de Jesus. Quando o vi aquele homem simples dizer pela primeira vez “Comadre de Nazaré”, percebi que ali estava um jeito deferente de se referir aquela mulher. Na sua intimidade no trato das coisas de Deus, Pedro me mostrava que ela era também a “Pedra Angular”, para que o Projeto de Deus pudesse acontecer de um Deus se fazer presente concretamente na história da humanidade. No seu jeito radical de vivenciar a pobreza, Pedro revelava para todos nós, que Maria era a digna representante da comunidade dos pobres que esperavam pela libertação. Dela nasce Jesus Messias, o Filho de Deus, graças ao seu SIM e também pela intervenção de Deus. O Filho de Maria é aquele que vai iniciar nova história. Ou seja, ELE surge dentro da história de maneira totalmente nova, graças a participação decisiva de uma mulher pobre.

Confesso que sempre tive muita dificuldade de lidar com a Mãe de Jesus com os codinomes que lhe foram dados: “puríssima”, “castíssima”, “desatadora de nós’, “passa à frente”… Não porque ela não o fosse tudo isso, mas porque vejo nela antes de tudo, a mulher marginalizada e excluída, numa sociedade machista e patriarcal de seu tempo. Ela passa por cima de tudo isso e se faz protagonista do Projeto de Deus. Maria é o lugar de fala da mulher, durante a atuação do Jesus histórico e também de uma igreja clerical, cuja participação e poder de decisão feminina estão relegados a um segundo plano.

Em Maria, Deus se faz presente na nossa história. Na história da humanidade. Um Deus que se faz Deus conosco. Não um Deus que necessita necessariamente de um templo para se revelar aos seus. O Deus Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta (Atos 7, 48). Nem naqueles cujos sinos custam horrores. A simplicidade de Maria, a “Comadre de Nazaré”, nos faz crer que o Deus de Jesus está no meio de nós. “O Reino de Deus está no meio de vocês”. (Lc 17, 21) Maria foi aquela que acreditou, mesmo sem compreender inicialmente o que iria acontecer na sua vida. Que saibamos também, fazer da nossa vida um sim dado a cada dia, para que o Reino possa se fazer presente através das nossas ações. Deus se dá como presente numa criança. Que sejamos também este presente às pessoas que conosco convivem.