Medo do medo

Festa de São José. O dia 19 de março e dedicado à festa deste grande homem de Deus, que também teve participação decisiva e significativa na história do cristianismo nas suas origens. Um homem simples, escolhido por Deus para, juntamente com Maria, inaugura um novo tempo para a humanidade. Mesmo sem entender inicialmente o que estava se passando consigo, rompe as amarras e os paradigmas existentes até então, e se coloca confiante nas mãos de Deus.

José, desde cedo, aprendeu a conviver com o inesperado, o imprevisível. Para início de conversa, nem havia lugar para que o seu filho pudesse nascer descentemente. Mas foi assim que Deus quis que o Menino Deus entrasse na história humana. O Projeto de Deus não nasce a partir do centro, no Templo de Jerusalém, nem no palácio do rei Herodes. Ao contrário, a proposta do cristianismo surge nas quebradas da periferia, mostrando assim que Deus tinha um lado como predileção. É da periferia que surge a erupção do Reino, numa demonstração clara de que os pequenos, pobres e marginalizados estão presentes no sonho de Deus.

José não teve vida fácil. Desde muito cedo, ele se depara com o projeto de morte de um genocida: Herodes. Como este não conseguiu atingir diretamente a Jesus, no intuito de barrar o sonho de Deus, este déspota, ordena o assassinato de todas as crianças daquela faixa etária. Assim, José foge às pressas com o pequeno e sua mãe para o Egito: “Depois que os magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José, e lhe disse: Levante-se, pegue o menino e a mãe dele, e fuja para o Egito!” (Mt 2, 13)- Através desta narrativa, Mateus nos mostra que Jesus, por meio de sua ação, será o novo Moisés. Ou seja, ELE vai liderar o processo de libertação das estruturas que oprimem e escravizam, começando pela Judéia e Jerusalém. É muito significativo que a Galileia, terra de um povo pagão, será o ponto de partida para esse novo êxodo que Jesus realizará, através de seu engajamento no Projeto do Pai.

O percurso percorrido por José e Maria prefigura o itinerário daqueles e daquelas que se colocam na dinâmica do Reino, no seguimento das pegadas de Jesus. Não será uma tarefa fácil, assim como não fora para este jovem casal pobre. Através deles, Jesus ganha forma de gente como a gente. Esse Jesus, cujo significado é “Deus salva”, ou Emanuel – “Deus é conosco”, caminha à frente, dando consistência às nossas lutas, para ver acontecer o Reino de Justiça, paz, fraternidade e igualdade.

Reino que agora se sente ameaçado por todos os lados pelas estruturas de morte que nos rodeiam. Sofremos a ameaça não somente de um vírus que, invisivelmente, se instalou entre nós, mas também por outros tipos vírus, que nos ameaçam tanto quanto: desgoverno, ódio, indiferença, irresponsabilidade, deboche, falta de empatia, falta solidariedade e compaixão. Dentre estes, o vírus mais desastroso, a necessidade que algumas das nossas lideranças sentem de estar com os olhos, pensamento e os próprios pés, em 2022, com vistas às novas eleições.

Mesmo diante destas estruturas de morte, não podemos abaixar a guarda, arrefecer na luta e perder a esperança de que o Reino vai acontecer aqui e agora. Devemos ser movidos pelo mesmo espírito de Jesus, que enfrentou as estruturas de morte de seu tempo, denunciando-as e anunciando o Reino: um novo jeito de viver a fé comprometida com as transformações. Uma fé revolucionária, inspirados pela mística memorial dos mártires da caminhada, como nos dizia Pedro. É através das ações de nossas mãos que Deus vai plasmando na história o seu sonho utópico do Reino.

Evidentemente que estas estruturas de morte e aqueles que as comandam, assustam e amedrontam. Até ameaças surgem para com aqueles que se colocam na construção do Reino. A exemplo da José, o justo, devemos enfrentar estas estruturas de cabeça erguida, criando estratégias de superação. O medo não pode imperar entre nós, pois ele inibe as nossas ações. Como nos dizia nosso bispo Pedro: “O contrário da fé não é a dúvida. O contrário da fé é o medo”. E o pior de tudo é quando temos medo do medo. Devemos sempre nos lembrar que somos discípulos e discípulas do Ressuscitado. ELE se faz presente nas nossas lutas e não nos deixa desanimar. Por José e por Maria, Deus veio morar no meio de nós, por iniciativa própria sua. Assim, somos os combatentes do bom combate. Num mundo semeado de injustiças, buscamos a Justiça do Reino. Parafraseando Martin Luther King, “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.