Mudar de vida

Segundo domingo do Advento. Liturgicamente acendemos a segunda vela (verde). Esta quer simbolizar a esperança, representando a fé dos Patriarcas. Eles acreditaram na Terra Prometida como dom de Deus. Daqui em diante entramos na segunda semana de preparação para o Natal. O Deus que vem nos visitar vem também estabelecer morada entre nós. Da periferia de Nazaré para o centro do mundo. O inusitado de Deus vem através de uma criança frágil e indefesa, nascida no berço de uma família pobre. O ventre de Maria acolhe o Salvador, conforme a narrativa de Mateus: “Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo”. (Mt 1, 18) Como filho de Davi, Jesus é o Rei-Messias que vai instaurar o Reino prometido.

Natal quer ser a vida nova com a chegada do Menino Deus. Tempo do despertar da acomodação, da indiferença, do ódio incrustado em nossas estruturas pessoais e na sociedade em que vivemos. Tempo propício para a conversão de nosso ser pensante, nosso agir no mundo e nossas concepções equivocadas nas relações. O amor está no ar como proposta de vida nova, sem medidas e sem fronteiras. É hora de acordar do sono letárgico da indiferença e assumir com Jesus o compromisso pela vida em todas as suas dimensões. Uma fé libertadora e transformadora da realidade e de toda forma de desigualdade e injustiça.

Fé engajada como compromisso social como a do Padre Assis Tavares, que pertence a Congregação dos Missionários do Espírito Santo e faz um trabalho belíssimo na periferia de São Paulo, Região Episcopal Belém. Um padre diferente. Conheci o Assis (como gosta de ser chamado) no final da Romaria dos Mártires da Caminhada quando peguei uma carona no ônibus de volta a São Paulo e conversamos longamente, lado a lado nas nossas poltronas. O Padre Assis incomoda com o seu trabalho, ao ponto do Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer da Arquidiocese de São Paulo, proibi-lo de celebrar sacramentos e de exercer suas funções sacerdotais na Arquidiocese de São Paulo, diante do fato da acusação de ter “abençoado pessoas.”

Verdade ou não, as comunidades acompanhadas pelo referido padre, elaboraram uma “Carta Aberta”, manifestando “seu total e irrestrito apoio ao Padre Assis Tavares, solicitando que seja ‘revista a decisão’ que penaliza não só o Padre Assis, mas todo o povo que caminha junto com ele entre os becos e vielas”. Parece um contra censo que um homem que deveria pisar os seus pés na periferia geográfica e existencial dos mais vulneráveis, tome tal atitude, contrariando frontalmente a ideia de “Uma Igreja em Saída”: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa em um emaranhado de obsessões e procedimentos,” diz o Papa Francisco.

No segundo domingo do Advento, como estamos no ano litúrgico A, continuamos refletindo a luz do texto do Evangelho de Mateus. Mais uma vez, estamos diante da figura emblemática do precursor: “Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia: Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”. (Mt 3, 1-2) João é aquele que vem preparar os caminhos do Senhor. Propositalmente, a partir do deserto, ele anuncia o Senhor e as condições necessárias para acolhê-lo. A gente precisa entender que o deserto é uma metáfora muito importante e presente na vida e na experiência bíblica do povo de Deus. Lugar de provação, de escolhas e decisões acertadas. O deserto é um espaço teológico ao qual somos chamados à conversão. Mudar de vida. Mudança radical.

Jesus é o Reino em pessoa. O Reino já se aproxima e vai mudar radicalmente as relações entre as pessoas. Acolher o Salvador é acolher a proposta do Reino que Ele traz em si. Não nos basta ter uma fé da boca para fora, mas uma fé que nos leve a aderir ao seguimento de Jesus, tendo em nós as mesmas atitudes dele diante da vida e das pessoas. Para isto se faz necessário passar pelo processo de conversão (metanoia). Biblicamente, esta palavra não quer dizer uma conversão à um conjunto de ritos litúrgicos devocionais, normas e preceitos morais fundamentalistas, mas a uma mudança de atitude, pensamento e mentalidade, adotando um jeito novo de viver. Mudar de vida para a vida ganhar novo sentido. Mudar para sermos vida na vida das pessoas.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.