Natal sem Pedro

“Orar costuma fazer bem. O coração de quem se entrega à oração. Tem mil histórias pra contar”. É assim que o padre Zezinho inicia uma de suas canções, ajudando-nos a rezar no nosso cotidiano. “Quem canta reza duas vezes, nos diria Santo Agostinho. É por isso que inicio sempre os meus dias em oração. Uma conversa franca e aberta frente ao meu Deus. Sem ela, o meu dia não começa. E enquanto rezava hoje, olhei para o cemitério aqui ao lado, onde está sepultado o nosso eterno bispo Pedro. Quanta falta nos faz este homem de Deus!

Pedro tinha um carinho todo especial com o período do Natal. Como vários místicos que conheço, ele tinha uma identificação muito grande com o cenário apresentado no presépio. Jesus menino no seio da “Comadre de Nazaré”, como pobre da periferia. Mas não um presépio distante da realidade do povo, como ele mesmo manifestou em um de seus poemas: “A dona Maria e o seu José continuam na comunidade… Sabemos que não há lugar para eles. Sabemos que há lugar para todos, até para Deus…”. Talvez por isso, em sua casa há vários presépios. Por onde andava, ganhava e sempre arranjava um cantinho para colocá-los. Cada um mais original e alternativo que outro. Lindos: Lindos! Quem passou por sua casa sabe disso.

Os presépios continuam presentes em nossa realidade atual. Natal não é somente um dia. Todos os dias é Natal. É Natal quando nos abrimos à realidade que vivenciamos. A nossa realidade está cheia de contradições de presépios vivos. Como no caso daquele infeliz juiz, que numa audiência online, falou uma grande bobagem: “Se tem lei Maria da Penha contra a mãe (sic), eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”. Mais uma vez a mulher está sendo violentada em sua dignidade, através de palavras de um juiz iníquo, que deveria zelar pelo cumprimento da lei. Também ali, como Maria, não há lugar para esta mulher.

Outro presépio vivo aconteceu através de uma das falas do presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo. Este cidadão recomendou que os negros abrissem mão de seus cabelos pixaim e os cortassem, pois é muito feio. Ou seja, uma pessoa negra, à frente de uma fundação específica representante do povo negro, falando uma bobagem destas. Definitivamente, “não há lugar para os negros”, numa sociedade que faz questão de carregar em si um racismo institucional/estrutural.

O nascimento de Jesus vem nos mostrar que Deus faz opção de pertencimento a uma classe social. Deus tem predileção pelos pobres. O presépio de Belém nos mostra esta realidade claramente. O Deus menino veio até nós a partir dos pobres. Como nos diz Pedro em mais um de seus poemas: “Deus continua entrando por debaixo, pequeno, pobre, impotente, mas trazendo-nos a sua Paz”. O presépio nos faz ver Deus entrando na história humana e se fazendo um de nós. “Isto não é comunismo, mas evangelho de Jesus de Nazaré” assegura-nos o Papa Francisco.

É Pedrão, como você nos faz falta! Vamos sentir muito ainda a sua falta por aqui. O jeito é dar continuidade a nossa jornada, seguindo em frente, lembrando sempre de suas palavras e do seu jeito muito peculiar de seguir a Jesus de Nazaré, a “Testemunha Fiel”, como você fazia questão de nos dizer. Esse mesmo Jesus que você o via como alguém que tinha lado, o lado dos pobres e marginalizados. O lado de cá. Era assim que você também via a encarnação do Verbo: “No ventre de Maria Deus se fez homem. Na carpintaria de José, se fez classe.”

Perseverar é preciso! Testemunhar o Verbo encarnado. Continuar na luta sempre, principalmente nestes tempos bicudos que ora estamos vivendo. Não podemos arriar com as cargas, como a gente costumava dizer lá em Minas. Juntando as nossas forças sempre, claro! “Um mais um é sempre mais que dois”, nos diz meu conterrâneo Beto Guedes na sua canção “O Sal da Terra”. Acreditando sempre na palavra de Jesus quando diz: “quem perseverar até o fim, esse será salvo. (Mt 10, 22b) Como seguidores d’ELE com o desafio de perseverar até o fim, sem medo de ser feliz, seguros da plena manifestação do SENHOR como juiz do tempo e da história.