Nos porões da humanidade

 

Começo a minha quarta-feira (20) esperançoso. Primeiro porque no dia de ontem, um grande homem de Deus, comemorou os seus 88 anos de vida. Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito da Diocese de Blumenau, estava em festa ontem. Tenho um carinho todo especial por este profeta dos nossos tempos, porque iniciei o meu sacerdócio na Região Episcopal de São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo. Era ele o bispo que comandava aquela região. Aprendi muito com o seu jeito de ser igreja. Um homem simples e sem muita frescura, com estas coisas de mitra, báculo e anéis ornados a ouro. Sou muito grato a Deus pela vida dele, que me ensinou a ser padre.

A outra alegria que encheu o meu coração de contentamento, é que no dia de hoje, a vacina finalmente chegará à região de São Félix do Araguaia. Pena que não será suficiente para vacinar toda a população, pois são apenas pouco mais de 800 dozes, que serão divididas ainda com quatro outros municípios. Mas esta é a situação de um grande país chamado Brasil, (des)governado por um estelionato eleitoral, com bacharelado, mestrado, doutorado e pós-doutorado em incompetência. Fazer o que, alguns inconsequentes quiseram assim.

A parte triste da história fica por conta de um dos administradores da FUNAI de nossa região, um milico escolhido pelo atual governo para comandar órgão tão importante, que fez um vídeo, alertando a população indígena, de que a vacina veio para matar a população originária. Um total desserviço aos povos indígenas, aumentando ainda mais as incertezas e a desinformação entre eles. Nestas horas, não há como não concordar com o nosso bispo Pedro que afirmava: “MILITAR para mim é apenas um verbo”.

Como sempre faço todas as manhãs, iniciei o meu dia rezando. Enquanto degustava a velha cuia de chimarrão, fiz a minha conversa de pé de orelha com o meu Deus. Ainda bem que ELE tem muita paciência para comigo, pois ultimamente tenho “rasgado o verbo” nas nossas conversas. Neste dialogo com ELE, me lembrei de um livro que li há alguns anos atrás: “Seis dias nos porões da humanidade”. Publicação de 1977, pela Editora Vozes, Petrópolis, do Frei Carlos Mesters, frade carmelita holandês, missionário no Brasil desde 1949. Mesters é sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica, é um dos principais exegetas bíblicos do Brasil.

Com o seu linguajar simples de leitura popular da Bíblia e o seu método histórico-crítico, de falar da narrativa bíblica, relata para nós sua experiência junto às comunidades pobres do Brasil, estando ali com as pessoas mais simples e fazendo com elas uma caminhada peregrina de Igreja povo de Deus. Texto de fundamental importância para a minha formação, pois me ensinou a olhar e fazer opção por uma igreja que se faz nos porões da humanidade. Gente destituída de todos os direitos, vivendo uma realidade de pobreza e todas as formas de desigualdade. Quem não leu, precisa ler. Uma linguagem atualíssima.

Estamos vivendo tempos de profunda tristeza. As incertezas que nos rondam, não nos permitem vislumbrar um horizonte de grandes realizações. Estamos todos debaixo de um mesmo céu, mas não desfrutamos do mesmo horizonte à frente. Faltam-nos expectativas deslumbrantes, até porque o horizonte está nos nossos olhos e não na realidade que vivenciamos. Sonhamos com dias melhores. Desejamos respirar novos ares, onde possamos manifestar através de um demorado abraço o carinho que sentimos reprimido no peito.

Todavia, precisamos esperançar. E, como nos diz Paulo Freire, “esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”. Dias melhores virão, já nos alertavam os nossos avós. É muita desorganização para o enfrentamento de uma crise tão profunda como esta que estamos vivendo. Resta-nos acreditar na letra da canção: “O poder tem raízes na areia, o tempo faz cair.” Ou senão façamos como Pedro num de seus escritos: “O tempo, quando não é uma capacidade concreta de fazer, é uma capacidade perigosa de lembrar, temer e desejar. Usar o tempo dignamente, às vezes, é uma difícil virtude. Os valentes são aqueles que superam o medo; os crentes são aqueles que superaram, na Esperança, a dúvida, o terror, a amargura que os invade aqui nesta terra de peregrinação. O antídoto da angústia é a escolha, dizem os manuais. Mas a escolha nunca tem fim: vai-se fazendo hora a hora, minuto a minuto. É a fidelidade, o que nossos velhos chamavam de perfeição, o “sim, Pai”, de Jesus. A oração é o respiro da Esperança. (Trechos do livro Creio na Justiça e na Esperança, publicado em Bilbao, Espanha, 1975)