Nossa humanidade

 

Vivendo a terça feira de São Pedro e São Paulo. O mês de junho já começa a dar adeus. Um mês atípico para a minha vida, que passei grande parte dele na horizontal. Já me sinto um pouco cansado de ficar deitado, aguardando a plena recuperação. Mas o simples fato de estar vivo, me dá a certeza de que Deus acredita em mim, dando-me a chance de dar continuidade a minha missão, em meio aos povos Indígenas do meu Araguaia.

Eles tem me ligado todos os dias, preocupados com o meu estado de saúde. Cada dia falo com um deles. Me disseram, que pediram ao pajé, que fizesse os rituais de pajelança pela minha recuperação. Sinto o quanto sou querido por eles, pois em meio as ameaças de perda de seus territórios, ainda encontram tempo e disposição para pensar no sawide (amigo) que está enfermo. Não bastasse o genocídio causado pela pandemia, os ruralistas partiram com tudo para cima deles, via Congresso Nacional. Passando a boiada, como já disseram.

Todavia, os indígenas são assim, sinceros e verdadeiros, no seu pensar e agir. Se gostam, o dizem, olhos nos olhos. O contrário, também o fazem. Sempre olhando diretamente nos olhos. Entendem que os olhos das pessoas, revelam aquilo que elas trazem no seu interior, no seu coração. Algumas pessoas não indígenas (waradzu), até sentem desconcertadas, diante destas suas posturas, pois seria como se sentissem as suas entranhas dissecadas. A’uwé Uptabi, o Povo Verdadeiro. É assim que o povo Xavante se vê a si mesmo..

Hoje amanheci triste. Entristecido, pois me senti menos humano. Me sinto desta forma, quando vejo que um dos nossos bispos da cidade de Jales/SP, Dom José Reginaldo Andrietta, está sendo massacrado pelos próprios “católicos” de sua diocese. Tal bispo ergueu sua voz profética, para denunciar a política de morte, causando as mais de 500 mil mortes ocorridas no país. Este seguidor de Jesus de Nazaré, está sentindo na própria pele, aquilo que o Mestre disse em uma das bem aventuranças narradas por Mateus: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.” (MT 5,12)

Mas o que roubou mesmo uma parte da minha humanidade, foi o fato das pessoas comemorarem o assassinato do homem que estava aterrorizando os pequenos produtores da região de Brasília. A polícia, paga por nós, para garantir-nos a segurança, fez da justiça brasileira, justiçamento. Que ele tenha assassinado várias pessoas, fato. Mas usar das suas mesmas “armas” para se fazer justiça, pelas próprias mãos, barbárie. Perdemos a grande chance de saber, o que os indícios demonstram, de que Lázaro é um matador de aluguel, contratado por algum grande fazendeiro, interessado naquelas terras destes pequenos produtores aterrorizados.

“Quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você.” Esta foi umas das frases ditas pelo Papa Francisco recentemente. Estamos perdendo gradativamente a nossa humanidade. Relativizamos a morte como coisa normal. Tratamos as milhares de vidas perdidas como números nas estatísticas macabras da política necropolítica. Não são vidas ceifadas prematuramente; sonhos perdidos; projetos interrompidos; famílias enlutadas, chorando seus mortos, afinal “todos vamos morrer um dia”. Mesmo me sentindo menos humano nesta barbárie toda, ainda prefiro acreditar naquilo que nos foi dito pelo Livro da Sabedoria: “Deus não fez a morte, nem tem prazer com a destruição dos vivos. (Sb 1, 13)