O alcance da pedagogia do perdão

Terça feira da Terceira Semana da Quaresma. Hoje é 73º dia do ano do calendário gregoriano. Outros 292 dias nos separam do final do ano. Quaresma é sempre aquele tempo litúrgico de recolhimento e de reflexão sobre a nossa vivência cristã da fé à luz da Palavra de Deus e do Projeto do Reino. Recolher para avançar na perspectiva da caminhada com Jesus. Neste sentido, não basta ter fé n’Ele, mas ter a fé d’Ele. Os desafios de ser cristão no mundo exige posicionamento firme dos seguidores e seguidoras de Jesus, fazendo acontecer a história, em sintonia com a encarnação do Verbo.

Já estamos em meados de março. Entretanto, na data de hoje, há cinco anos, passávamos por um calvário de dor e sofrimento. Nesta data, eram assassinados friamente na cidade do Rio de Janeiro a parlamentar Marielle Franco, eleita pelo PSOL para o mandato de vereadora e seu motorista Anderson Gomes. Mulher negra, cria da favela da Maré, ativista social e defensora dos direitos humanos. Cinco anos se passaram sem que este horrendo crime tenha sido desvendado, com os seus mandantes transitando livremente na vida pública de nossos parlamentos. Não podemos jamais pensar em vingança, mas que a Justiça seja feita! Como cristãos devemos acreditar sempre naquilo que foi dito por São Paulo: “no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’”. (Rom 1,17)

Deus é amor, mas também é justiça. Ele é sempre justo e nunca age de forma desonesta, retribuindo à cada um de nós, aquilo que é digno. Um Deus que age pela amorosidade, misericórdia e compaixão. Um Deus que muito ama e que perdoa sempre, infinitamente. Um Deus que não leva em conta os nossos erros, mas a nossa capacidade de reconhecer os desvios da rota e buscar o caminho de volta. A experiência nos mostra que, quanto mais distantes de Deus, menos errantes e pecadores nos sentimos. O contrário também é verdadeiro, pois a proximidade com Ele nos faz ver sua grandeza diante da nossa pequenez.

Quem ama sabe perdoar! Quem não perdoa não sabe o que é amar! O perdão está na essência do ser cristão. É o que nos diz o texto que refletimos no Evangelho desta terça feira (Mt 18,21-35). Jesus, através do evangelista Mateus nos dando uma aula sobre a pedagogia do perdão. A dinâmica do ato de perdoar é conseguir perdoar quantas vezes forem necessárias, ou seja, infinitamente: “Até sete vezes? Jesus respondeu: ‘Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. (Mt 18,22) Para Jesus, não existe limite para o perdão. O limite do perdão é o perdão sem limite.

Perdoar sempre assim como Deus também nos perdoa sempre e infinitamente. Perdoar não é esquecer os erros, mas saber que maior que qualquer erro é a graça divina presente no ato de quem perdoa: “onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça”. (Rom 5,20) O dom de Deus presente no ato de perdoar supera de longe qualquer erro, qualquer pecado das pessoas. O perdoar faz bem ao perdoado, mas principalmente a quem tem a nobreza de saber perdoar. Assim como o verdadeiro arrependimento brota do fundo do coração, o perdoar também tem a sua origem num coração que muito ama.

Como cristãos somos chamados a construir entre nós uma sociedade justa, fraterna e igualitária. A sociedade do amor fraterno e solidário. A sociedade do amor e do perdão sem limites. Esta é também a perspectiva do Reino sonhado por Deus que Jesus veio nos trazer. Na comunidade de Jesus não pode existir limites para o perdão (setenta vezes sete). Ao fazermos parte desta comunidade, cada pessoa indistintamente já recebeu do Pai um perdão sem limites (dez mil talentos). Desta forma, a vida na comunidade precisa, portanto, basear-se no amor, na misericórdia e na compaixão, compartilhando entre todos e todas, o perdão que cada um já recebeu de Deus. Fácil não é! Exige renúncias, vontade e o desejo de construirmos juntos o Reino querido por Deus, onde todos tenham vida e vida plena.

Numa sociedade de amor, de perdão não há espaço para a opressão. Não cabe dentro dela o opressor. Mas eles insistem em querer continuar construindo a sociedade da desigualdade. Como então amar e perdoar o opressor nesta mesma lógica de Jesus? Aqui cabe um dos raciocínios desenvolvidos pelo nosso grande educador Paulo Freire que dizia: “Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão”. Amar e perdoar o opressor exige fazer com que ele deixe de ser quem é: opressor.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.