Mais uma manhã fria aqui entre nós. Frio acompanhado de um vento cortante, provocando uma sensação térmica de temperatura mais baixa. Talvez seja este um dos dias mais frios. Até os meus desejados hóspedes, estão sentindo a baixa temperatura. Não saíram, como de costume, para merendar. Talvez estejam esperando o sol aquecer um pouco mais o ambiente. Aqui e ali uma ave solitária, se fazendo resistente ao frio. Devem estar se perguntando, o porque de tamanho frio, já que esta não é uma realidade para nós do Araguaia, que nos acostumamos a conviver com temperaturas bem mais elevadas.
Escrevo nesta manhã movido pela foto de uma das igrejas de São Paulo. O templo foi, literalmente, aberto para acolher as pessoas em situação de rua. O padre Júlio Lancellotti, sendo o Júlio que conhecemos. Não poderíamos esperar outra atitude sua, que não fosse esta. Para além de um discurso, ele vive integralmente a realidade com aquelas pessoas. Um pai para muitos daqueles seres, abandonados pelo sistema de uma sociedade que prioriza o capital financeiro, em detrimento da vida. Fico daqui me perguntando: quantos templos existem pela cidade, e quantos deles tiveram tal gesto concreto de acolher quem mais precisa? Não temos dúvida alguma, de que se o Jesus histórico passasse por ali, teria a mesma atitude do padre Júlio.
Nossa igreja ainda está muito distante dos verdadeiros destinatários do Projeto messiânico de Jesus de Nazaré. Mesmo em tempos de pandemia, que realçou ainda mais a nossa desigualdade social, muitas das nossas igrejas, continuam voltadas para si mesmas, mais preocupadas com a realização das “santas missas”, como se os vulneráveis não existissem, e clamam por justiça. Há até aqueles mais conservadores, que estão em busca de celebrações no rito antigo, em latim e de costas para o povo. É a volta à grande disciplina, contrariando todos os avanços conquistados pelo profético Concilio Vaticano II (1962-1965).
Ainda vivemos numa Igreja rica de dinheiro e pobre de carisma. Uma Igreja mais preocupada em recolher o dízimo que faltou na pandemia, do que olhar a realidade à sua volta com a degradação da vida humana. Uma Igreja presa aos dogmas clericais, sem permitir que o Espirito de Deus, as leve à outra margem. Sobre estes que se recusam peremptoriamente a avançar para “águas mais profundas” (Lc 5,4), que levou o Papa Francisco a afirmar: “O clericalismo é rico. E se não é rico de dinheiro, o é de soberba,” Uma Igreja que vive a massagear o ego triunfal de suas lideranças que de viver as causas do Reino de Deus.
O amor é o princípio fundante da prática cristã. Não se pode ser cristão sem que o amor seja declinado em todos os tempos verbais. Antes, se falava bastante neste amor, movido e traduzido pela palavra “caridade”. Entretanto, com o tempo, esta palavra sofreu um desgaste, pois estava mais associada ao “dar esmolas”. Hoje, ela ganhou uma nova configuração, pois não se trata mais de ar ao outro aquilo que me sobra, mas de dá-lo aquilo de que está necessitando. Amor traduzido pela palavra solidariedade que, por sua vez está acompanhada de outra palavra fundamental: compaixão. Quem sente compaixão é aquele que é capaz de se colocar no lugar do outro e sentir o que ele está sentindo. Em outras palavras, compadecer-se é “sofrer com”. Ter compaixão é a virtude de compartilhar o sofrimento do outro com simpatia e empatia.
Amor e compaixão, entre outros, são os sentimentos que movem a prédica e prática do padre Júlio, junto à população das pessoas em situação de rua em São Paulo. Não somente abriu o espaço do templo, mas dormiu também junto com aquelas pessoas. “As palavras convencem, mas os exemplos arrastam”, diz o dito popular. Um homem de Deus! Somente quem está prenhe de amor é capaz de gestos tão concretos. Um padre capaz de traduzir em sua vida, aquilo que nos fala a primeira leitura da liturgia de hoje. (1Jo 4,7-16) Um sacerdócio enraizado nas marcas profundas do amor de Deus. Na pessoa dele podemos dizer: “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus.” (1Jo 4,7)
Tenho muitos amigos. Neste período atual que estou passando, tive a grata felicidade de saber que eles são em maior número que eu suponha. Alguns deles, inclusive, não possuem nenhuma religião. O que não significa que não tenham fé. Pessoas que manifestaram um profundo amor e carinho para comigo. Através destes amigos e amigas, testemunhei que o centro da nossa vida é a prática do amor. Um amor que se faz testemunha concreta e visível do conhecimento e da união que temos com Deus, com seu Filho e com o Espírito. Através do gesto delas, vi o rosto translúcido de um Deus que é amor. Um Deus maternal e acolhedor, como Marta e Maria, que se faziam presentes na vida de Jesus de Nazaré e nos acompanha ainda hoje pelas estradas da vida.