O amor feito profecia

Quinta feira da Quinta Semana da Páscoa. Os dias vão passando muito rapidamente. Viver intensamente cada dia como único é o propósito que é feito àqueles que desejam viver na integralidade que a realização humana requer. A vida é muito curta para ser pequena e vivida na mediocridade. Cada dia, dando o melhor que podemos dar de nós mesmos, torna-se o imperativo do grande desafio. Com a experiência dos anos se aprende que a vida é muito curta para se amar em silêncio e desconectados uns dos outros. Como filosofava o pensador alemão Immanuel Kant (1724-1804): “Quanto mais amor temos, tanto mais fácil fazemos a nossa passagem pelo mundo”.

O mês de maio vai se consolidando. Mês de Maria de Nazaré. Mês de todas as Marias. Mês das mães. Mês do amor. O amor é a essência do ser humano. O amor é a essência divina de Deus em nossas vidas. Nascemos por um ato de profundo amor e temos a chance de perpetuá-lo ao longo da existência. Num simples ato de amor, Deus plantou a semente da vida como embrião no berço maternal daquela que nos gerou, insuflando em nosso ser o sopro divino da criação, fazendo de nossa mãe co-autora da criação em Deus. Mãe é um ser sagrado, mesclando o Ser Pai de Deus com a ternura feminina, no seu jeito mulher de ser.

O amor é a essência da vida humana. Sem Amor, nada sou! Amor não como mero sentimento instalado em nosso interior, mas aquela essência que brota das atitudes, do compromisso, do engajamento, da solicitude. Amor feito profecia que acontece todas as vezes que nos desinstalamos e saímos de nós mesmos, indo ao encontro do outro, daquele que mais necessita de cuidado. Amor gratuito e solidário com as causas dos que sofrem. Amor partilhado nas ações na defesa da vida de todos, inclusive aqueles que fazem parte da Casa Comum, com os quais estamos todos interligados.

O evangelista Mateus soube como ninguém traduzir este amor em gestos de profecia: “eu estava com fome, e me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar’. (Mt 25,35-36) Amor feito profecia na solidariedade. Amor que não se mede, mas se faz doação na ação. Amor serviço generoso na misericórdia do coração que se abre para viver e sentir aquilo que o outro está passando na sua pele. Fé traduzida em gestos de amor solidário.

A liturgia desta quinta feira nos coloca diante de Jesus discorrendo sobre o amor. Não uma simples apologia filosófica ou teológica deste amor, mas indo à fonte originária deste amor. Um amor que procede do Pai, se instala no Filho e chega até nós como gratuidade e dom: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor”. (Jo 15,9) Permanecer na dinamicidade deste amor se dá na medida em que entramos em sintonia com a Palavra e a mantemos guardada nas relações e nas ações que desenvolvemos.

Guardar os Mandamentos é guardar a Palavra em forma de ação permanente pela defesa da vida. Não guardá-la nas gavedas de nossa acomodação, nas estruturas de nossas instiuições religiosas, entre as paredes do templo, nos preceitos cumpridos das “Santas Missas”, desprovidas de compromisso com a realidade social, nas salas frias das sacristias voltadas para o sacramentalismo clerical. O amor transcende todas as estruturas que se fecham sobre si mesmas. Ele é macro-ecumênico. O desafio de ter o amor de Deus pressupõe o viver concretamente, identificando com os pobres e oprimidos, marginalizados por uma sociedade baseada ganância, na riqueza e no poder. Ter o amor do Pai que está em Jesus se consegue através da prática da fé com amor, cumprindo toda justiça, como condição para participar da vida do Reino.

O amor é revolucionário e transforma as estruturas, a começar das nossas estruturas pessoais. O amor feito profecia inquieta e incomoda, sobretudo àqueles que não suportam vê-lo triunfar nas ações solidárias entre os mais pobres. Ao convidar-nos a fazer a nossa adesão ao projeto de amor de Jesus, Ele não deseja que a nossa decisão seja pautada pela obediência cega de servos que obedecem a um senhor, mas uma adesão livre e consciente de amigos íntimos dele, uma vez que, como Ele mesmo disse: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. (Jo 15,15) Como disse-me certa feita o meu amigo Deodato: “O amor faz coisas que até o cão chupando manga duvida”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.