O “Bem Viver”

Terça feira da sétima semana da páscoa. Páscoa que é vida. Páscoa que é ressurreição. O Verbo que veio até nós, se fazendo carne na nossa carne. Deus se faz presente no Filho para que também possamos ser presença do Criador em nossas vidas. Jesus o mártire por primeiro. O crucificado que não é mais, mas venceu a morte de cruz, fazendo-nos reviver para outra realidade. Páscoa que é a passagem da morte para a vida. Quem tem a ultima palavra é a vida e não a morte. Aleluia!

Acordei hoje sabendo que sou um “idiota”. Pelo menos foi assim que fui caracterizado ontem, pelo mandrião mais “sábio” do planeta, pelo fato de estar fazendo o meu isolamento social. Rezei na companhia de um dos arquitetos da floresta. Detive-me por horas a contemplar um João de Barro, na feitura de sua nobre residência. Vinha, agasalhava o barro em seu bico, voava de volta e ia espalhando harmonicamente aquele barro, em sua obra de arte. Fiquei comigo pensando: Deus é perfeito! Como pôde infundir naquele pequeno pássaro, a destreza de saber edificar a sua própria casinha, de forma tão bela artesanal? Eu já vinha observando que ali naquela galha da mangueira, brevemente eu teria mais um inquilino em meu quintal. Cada dia este construtor edifica uma parte. Quis fotografar o passo a passo, mas percebi que estava sendo um intruso invasivo.

A natureza é sábia! Esta experiência de hoje, me fez lembrar a concepção do “Bem Viver” dos povos indígenas. Segundo eles, a natureza nos proporciona o bem viver. Tudo nela está harmonicamente constituído. Tudo nela tem a sua razão de ser, promovendo um equilíbrio maior entre todos os seres que a compõe. Todos os seres que nela habitam são importantes e compõe o todo. O desequilíbrio passa a existir a partir do momento em que o homem se coloca como o mais importante de todos os demais seres. Daí decorre a destruição, uma vez que o modelo de desenvolvimento assumido pelo homem considera a terra e a natureza apenas como insumos para a produção de mercadorias de rápido consumo e, mais rápido ainda, descarte. Modelo que contrasta radicalmente com a cultura do bem viver.

Para a cultura do “bem viver”, nós humanos não estamos apartados da natureza. Ao contrário, somos parte integrante dela. “Bem Viver” conceito quéchua, usado para denominar a cosmovisão das comunidades tradicionais que se organizam a partir do coletivo. Na realidade, é um modo de vida que prioriza a relação entre as pessoas, a natureza e o modelo econômico em sociedades que não tinham no capitalismo o modo possível de se organizar. o “Bem Viver” não é entendido pelas organizações indígenas como uma propriedade exclusiva dos indígenas, mas entende como uma contribuição dos povos indígenas para todo conjunto das etnias e demais povos presentes na América Latina.

Os povos indígenas anseiam pelo “bem viver”. Sonham com a radicalidade de sonhar outros mundos possíveis. Não um sonho que contemple somente as suas vidas e a forma de organização de sua sociedade, mas um sonho coletivo para toda a humanidade. Este seu sonho, juntamente com os seus saberes tradicionais, que emerge de memórias antigas ancestrais (encantados), de práticas comunitárias, onde a vida de um tem a ver com a vida do outro. Eu sou, mas o outro também é! Eu sou porque o outro também (Ubuntu)

Contrastando com esta realidade do bem viver, os Yanomami, estão vivendo um verdadeiro calvário dentro de seu próprio território imemorial. Cerca de vinte mil garimpeiros invadiram criminosamente as aldeias, levando o pânico, as doenças e a morte àquele povo. Invasão esta com a anuência da Funai, do Exército Brasileiro e a chancela do inepto governo federal. Nesta última semana, por exemplo, duas crianças (1 e 5 anos) foram encontradas mortas pela ação destes garimpeiros. Quem queria tão somente viver em paz em suas aldeias, estão sendo mortos por estes criminosos. De saber que a Covid-19 também chegou às aldeias Yanomami, através destes garimpeiros.

É bom que se saiba que o Bem Viver não seria apenas uma alternativa a nossa forma de organização em sociedade, mas a única saída possível que, de fato, pode se contrapor ao capitalismo tão devastador. Quem anda pelas nossas estradas aqui de Mato Grosso sabe muito bem disto que estou me referindo. As áreas de matas que ainda restam, são aquelas que estão dentro das terras indígenas. As demais são áreas de pasto ou canteiros de soja, com um cheiro insuportável de veneno no ar.