Segunda feira da quarta semana da páscoa. Na segundona estamos com a nossa cara amarrotada. Uma preguiça marota insiste em tomar conta da gente. Mas, vida que segue! Vamos caminhando e precisamos dar sentido às nossas vidas, no sentido de sermos importantes na vida das outras pessoas, com as quais convivemos. Fazer a diferença e marcar a nossa presença por aqui, de tal modo que, quando nos formos, as pessoas sentirão a nossa falta. Não somente passar pela vida como meros coadjuvantes e não fazer a diferença com o nosso ser característico peculiar.
Rezei hoje pensando sobre a nossa passagem por este mundão. Muitos nem sequer tem a preocupação de fazer da sua vida um selo de qualidade diferencial na vida das demais pessoas. Fazem apenas o trivial e se dão por satisfeitos. Neste sentido, me vem à mente a história de vivida pelo técnico de enfermagem, Fábio Marques, de Belém (PA). No ano de 2019, ele improvisou uma rede com lençol, na UTI pediátrica do hospital em que trabalhava para que um bebê indígena pudesse conter o choro e assim dormir. Atitude de pura empatia deste profissional, que fez a diferença para aquela criança, acostumada a dormir numa rede.
Não tive como fugir do texto do evangelho de hoje. Uma das mais belas páginas do Novo Testamento. Talvez a mais conhecida narrativa bíblica, sobretudo o versículo 10, que mostra Jesus trazendo-nos a vida plena. O bom pastor dizendo palavras duríssimas a respeito dos maus pastores. Provavelmente estivesse se referindo às autoridades judaicas, que se comportavam exatamente desta forma, explorando, oprimindo e maltratando o povo. Jesus faz questão de demonstrar que a sua mensagem é incompatível com qualquer tipo de opressão em qualquer tempo e lugar.
No tempo de Jesus a palavra pastor tinha um significado todo especial. Talvez hoje ela não nos diz muito, pois o contexto em que vivemos é outro bem diferente. Na realidade, esta palavra nos remonta ao Antigo Testamento. No livro do Êxodo (3,1-12), nos deparamos com a narrativa de Moisés que pastoreava as ovelhas e cabras de seu sogro Jetro, sacerdote de Madian. Num determinado dia (Monte Sinai), Deus o convida para ser o pastor que iria conduzir o povo hebreu, que era escravo no Egito, rumo à sua libertação.
Também o profeta Ezequiel (século VI a.C.) profere palavras rudes contra os pastores de seu tempo a quem ele se refere como traidores do povo (Ez 34,1-10). Na comparação do profeta, pastores são as autoridades políticas, e rebanho é o povo, que pertence exclusivamente a Deus. Na sua compreensão, a função do pastor era de cuidar do rebanho em todas as circunstancias, principalmente defendê-lo diante dos “lobos”. Todavia, as autoridades políticas, em vez de cuidarem do povo, se preocupam exclusivamente com seus próprios interesses; em vez de servirem ao povo, o usam em proveito próprio; em vez de defenderem o rebanho, elas o entregam aos inimigos. Na visão do profeta, a ruína da nação é culpa exclusiva das autoridades que a governavam. Até parece que o profeta está se referindo a realidade brasileira.
Jesus é o bom pastor. Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Ele é o modelo de pastor, sobre o qual devemos todos nos espelhar. Ele vem abrindo o caminho para nós, pelo qual devemos trilhar. Ao contrário de uma visão puramente clerical, não são somente padres, bispos, religiosos/as que são chamados a serem pastores. O convite feito por Jesus se estende a cada um de nós, independente de onde quer que possamos estar. Na visão de Jesus, ser pastor é ser também capaz de levar vida para as demais pessoas. Colocarmos-nos na mesma perspectiva de Jesus e sermos instrumentos de transformação nas mãos de Deus, que é o fio condutor de nossas vidas. Num mundo marcado por tantas desavenças, Jesus nos mostra que precisamos fazer a diferença se quisermos segui-lo.
Neste sentido, precisamos ouvir a voz de Deus que ressoa em nosso interior. Retomar o caminho de volta, afinal somos, ou queremos ser seguidores de Jesus. Que não sejamos cristãos de meias verdades ou como aqueles aos quais o pastor Henrique Vieira assim se refere sobre eles: “…Esse cristianismo sem Cristo, sem amor, sem compaixão, sem misericórdia. Um cristianismo de moralidade vazia, de coronéis da fé, de exploração sobre o pobre, de mercantilização da religião.” Que sejamos cristãos verdadeiros com a mesma pegada e entrega que fez Jesus, dando-nos sua vida: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).