Quinta feira da quarta semana do tempo comum. Festa de São Brás. O santo protetor da nossa garganta. Poucos sabem, mas este santo era um grande médico, padre e posteriormente bispo, que nasceu na Turquia e viveu entre os séculos III e IV, da era cristã. Período em que a Igreja era terrivelmente perseguida pelos seus algozes. Seu martírio aconteceu no dia 3 de fevereiro de 316, quando teve a sua garganta cortada pela espada. por não renunciar a sua fé no seguimento de Jesus de Nazaré. Que São Brás mantenha a nossa garganta afiada, para denunciar todas as formas de injustiça contra os pequenos.
Excepcionalmente neste ano C da liturgia católica, não estaremos refletindo no dia hoje o Evangelho de Lucas. O trecho escolhido é bem conhecido nosso, quando Jesus chama e envia os seus discípulos para o “caminho” para assim anunciar a Boa Nova, dando continuidade à sua missão. Os discípulos que são enviados dois a dois em missão. Apesar do texto de hoje trazer-nos a tradução de que Jesus “recomendou-lhes”, a tradução do original diz que a palavra correta é “ordenou-lhes”. “Ordenou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. (Mc 6, 8) Discípulos desapegados, para melhor desempenharem a sua missão.
Ordenar que fossem dois a dois quer dizer que a missão não é especificidade ou propriedade de uma pessoa, mas de toda a comunidade. Comunidade evangelizadora: “Pois onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles”. (Mt 18,20). Os missionários são enviados pela comunidade e em nome dela anunciarão a mensagem do evangelho. Evidentemente que não falarão em seu nome e nem anunciarão a si mesmos, mas a Jesus, o Nazareno. Esta passagem faz-me lembrar de um dos livros que li, que narrava a atividade de um missionário na África, que para lá fora, segundo ele, para “levar Jesus aos africanos”. A sua maior surpresa foi quando lá chegando, percebeu que Jesus já estava por há muitos anos.
Enviados em missão na simplicidade que representou toda a ação e o ser de Jesus entre nós. Nada de ostentação, roupas finas, títulos e majestades, mas na frugalidade típica do verdadeiro seguidor do Mestre. Missão de ser caminhantes e anunciadores da Palavra, de uma Igreja que prima pelo seu caráter extraordinário de ser missionária na sua essência. Neste sentido, o Concílio Vaticano II (1962-1965) nos trouxe uma grande contribuição, quando nos fez passar de uma Igreja que “tem missões” para uma igreja toda ela missionária. Ao que o nosso bispo Pedro nos dizia sempre: “ou a Igreja é missionária, ou não é a Igreja de Jesus de Nazaré”.
“Não leveis nada pelo caminho”, este trecho era usado pelo nosso bispo para justificar a sua vida frugal como pastor da prelazia de São Félix do Araguaia. Todas as vezes que a irmã Irene Franceschini (tia Irene) tentava convencer Pedro de que precisava ter pelo menos mais uma camisa, ele saia com esta ordem dada pelo próprio Jesus aos seus. Um bispo desapegado de todas as vestimentas de uma Igreja hierarquizada, tanto que o seu cajado de bispo era um remo feito pelo povo Tapirapé, nome pelo qual é conhecido o povo indígena Apyãwa. Nada de mitra sobre a cabeça, muito menos anéis ornados a ouro. Bastava-lhe o anel de tucum que sempre o acompanhou.
Para a tradição bíblica, daquele tempo pastoril, o cajado era um instrumento com cerca de dois metros de comprimento que fazia parte dos equipamentos de um pastor. Sua finalidade era a de ajudar o pastor a andar com maior facilidade nos lugares mais ermos e montanhosos ou de difícil acesso. Também servia para guiar as ovelhas. O cajado era também usado para marcar as ovelhas que faziam parte daquele redil. Cajado com o qual Moisés abriu o mar para os Hebreus passarem a pé enxutos. Uma ferramenta que perdeu a sua razão de ser, dado o contexto de além fronteiras para o qual o cristianismo se expandiu.
Somos uma Igreja em saída. Fato é que também somos chamados e enviados em missão. Não à uma missão particular de viver a fé isoladamente e fora do contexto da comunidade. Ao ser batizado, o cristão assume o risco e o compromisso de ser continuador da mesma missão de Jesus. A recomendação/ordenação d’Ele é bastante clara e objetiva: mudança radical de nosso jeito de ser e de viver (metanoia/conversão); libertar de todas as formas de “demônios”, ou seja, desalienar as pessoas alienadas; restaurar a saúde dos doentes seja através das curas, ou mesmo por intermédio das políticas públicas que garantam a saúde de todos. Os reais seguidores que assumirem esta missão com Jesus devem estar cientes de que serão perseguidos e até mesmo de serem chamados de “comunistas”, sobretudo por parte daqueles que não querem que haja transformações nas estruturas vigentes da sociedade desigual.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.