Já estamos no meio da primeira semana de agosto. Ainda uma quarta feira fria para nós ribeirinhos do Araguaia. Agosto chegou, mas o frio não se foi. Desde que aqui aportei, sempre achei os meses de agosto e setembro os mais difíceis. Muito seco, vento e o fogo criminoso, colocado pelos mesmos de sempre. O ar fica irrespirável. A fuligem caindo sobre as nossas cabeças. Tal situação só começa a melhorar, com a chegada das primeiras chuvas, que acontecem em outubro.
O fogo não destrói somente a floresta. A fauna e a flora são diretamente atingidas pela ação inescrupulosa dos “seres racionais”. Muitos de nós até confundem estas duas vertentes. Lembrando que a fauna é o grupo de animais que habitam uma determinada região. Por sua vez, a flora é a representação das espécies vegetais. Ambos são ameaçados a cada ano que se passa aqui na Amazônia. Sem falar de toda a alimentação que a floresta produz, sobretudo para a fauna, é destruída com a ação avassaladora do fogo. Frente a crônica desta tragedia anunciada, é comum vermos os pássaros desesperados e impotentes, diante de seus ninhos, alguns com filhotes, sendo queimados.
Em 2019, à caminho do retiro da prelazia, na cidade de Santa Terezinha, passamos por uma destas áreas, cujo o fogo corria veloz. Como sempre carrego a tira colo, minha câmera fotográfica, aproveitei para registrar aquele momento. Mal sabia eu que, os responsáveis por aquele crime ambiental, ainda estavam no local, consumando o seu terrível ato. Mas a cena que mais me chamou atenção, foi a de uma pequena raposa que havia saído do meio do fogo, com parte de seu corpo queimado, vindo agonizar-se ali diante de nós, como se nos quisesse dizer: “olha o que vocês humanos fazem conosco!” Gesto nada natural, mas diante do fogo e nós, não lhe restava outra alternativa. Chorei impotente, vendo-a dar o seu último suspiro.
Como dizem os gaúchos, “mateei” nesta manhã fria. Entre um gole e outro da cuia quente, fiz o meu colóquio com o Deus de Jesus de Nazaré. Fui surpreendido por um enxame de abelhas “Oropa”, tomando conta do meu quintal. Aprendi com o saudoso irmão Miguel, quando ainda estava no seminário de Sacramento (MG), que elas não saem por aí ferroando aleatoriamente, mas somente a partir do momento, que uma delas é ferida por nós. Assim, continuei as minhas preces, desta vez, rezando por elas também. Segundo estudiosos ambientalistas, cerca de meio bilhão delas, morreram nos últimos tempos, em decorrência da ação mortal dos agrotóxicos entre nós. Alguns de nós até pensam que, a função principal da abelha, é a produção de seu saboroso mel. Na verdade, a maior contribuição delas, é na lavoura, quando realizam o processo de polinização. Daí a preocupação dos pequenos produtores rurais, com a morte destas suas parceiras, diminuindo consideravelmente a sua produção.
Podemos dizer que a vida humana transcorre dentro de um processo que denominamos de caminho. Caminho que vamos percorrendo desde o nosso nascimento e que se consuma no nosso encontro definitivo com Ele. Este aminho vai nos moldando ao longo da nossa existência. Engatinhamos os primeiros passos, crescemos, evoluímos e ganhamos dimensões novas no nosso existir. Este caminhar vai se constituindo durante a nossa existência, rumo à nossa realização plena enquanto pessoa, enquanto ser humano. Desde os primeiros passos que alguém nos ensinou a caminhar, até a experiência da passagem para outra dimensão. Na dimensão do Primado do Absoluto, quando “Deus será tudo em todos.” (1Cor 15)
Jesus no seu caminhar peregrino entre nós mostrou-nos a que veio. No texto do evangelho de hoje, Ele diz claramente: “Fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel”. (Mt 15,24). Assim também deverá ser a missão de sua Igreja entre nós. Uma Igreja que se ponha a caminho ao encontro destas “ovelhas perdidas”, como anseia o nosso Papa Francisco, de uma Igreja com “uma opção ainda mais missionária, que vá ao encontro do outro sem fazer proselitismo e que transforme todas as suas estruturas para a evangelização do mundo de hoje”. Ainda bem que decidi fazer o meu caminho junto à Igreja de São Felix do Araguaia. Ser igreja com esta igreja diferente, encarnada e com rosto do povo sofredor. Caminhando e construindo novos caminhos. Caminhos que aprendi a trilhar com o grande peregrino destas estradas: Pedro. Sua história de vida e seu caminhar, foram aprendizados que tratei de incorporar à minha vida de também peregrino por estas estradas. Foi através dele que também encontrei o caminho que me levaria às aldeias, descobrindo a causa indígena como a minha causa maior. Seu legado está vivo e permanece ainda com aqueles e aquelas que abraçam as causas de Jesus. Que possamos dizer como ele: “No final do caminho me dirão: “E tu, viveste? Amaste? E eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes” (Pedro Casaldáliga)