O caminho como dinâmica

Terça feira da 29ª semana do tempo comum. Vamos devagar, trilhando o caminho proposto a nós, neste mês missionário. Caminhar é preciso sempre! Desafiar-nos cotidianamente na dinâmica que a vida nos propõe, como testemunhas do Ressuscitado. As escolhas são nossas, por quais caminhos queremos ou não andar. Deus nos dá esta possibilidade de escolha e fazer o nosso próprio caminhar. Assim, vamos nós, vivendo um dia de cada vez, colhendo os frutos que vamos plantando ao longo desta jornada. Ser e estar no mundo, assumindo a nossa condição de passageiros, para um dia triunfarmos na glória do Pai.

O dia amanheceu diferente aqui pelas bandas do Araguaia. Uma chuva abençoada caiu com abundância, molhando a terra e fazendo germinar a semente. Com a chuva veio também uma temperatura mais amena, afugentando o calor. Deus fazendo cair sobre nós a sua chuva que faz a vida florescer. O meu quintal amanheceu em festa, para minha alegria maior e a de meus convidados. Entre cantos e falas desconexas, cada qual louvando o Criador em seu próprio dialeto. A natureza se fazendo natureza, irmanando-nos numa babel sincronizada. Deus é fiel sempre e se faz manifestar em cada uma de suas criaturas.

Todavia, nem tudo é alegria nestes tempos de pandemia. Ainda ressoam em mim a cena que vi na noite anterior, quando um grupo de moradores, coletava comida em um caminhão de lixo na cidade de Fortaleza (CE). Uma cena degradante, ver seres humanos naquelas condições, procurando comida que estava sendo descartada, uma vez que estavam com os seus prazos de validade vencidos. A fome ditando a regra da convivência humana entre nós. Como animais, cada qual ali buscando levar para suas casas, algo que debelasse a fome dos seus. “Que país é este”? diria Renato Russo em uma de suas canções anos atrás.

Tristeza parece não ter mais fim para os povos indígenas. A comunidade indígena Yanomami em Roraima, vive dias muito tristes. Na semana passada (12), duas crianças de 4 e 7 anos, da comunidade Macuxi Yano, foram sugadas pelas dragas dos garimpeiros, enquanto nadavam no Rio Parima, a 300 metros da aldeia. As crianças foram sugadas e arrastadas pela correnteza, ambos morrendo afogados. Coincidência ou não, esta notícia não foi divulgada nos grandes meios de informação do país. Os garimpeiros seguem fazendo estragos nos territórios indígenas e nenhum órgão oficial, se encarrega de dar um fim a esta crônica da morte anunciada. Para quem foi eleito afirmando que “não demarcaria nenhum centímetro de terra para índio”, o script segue sendo cumprido.

O nosso existir no mundo se faz dentro daquilo que vamos traçando na dinâmica do caminho. Podemos dizer que a vida humana transcorre dentro de um processo que denominamos de caminho. Caminho que vamos percorrendo desde o nosso nascimento e que se consuma no nosso encontro definitivo com Ele. Este caminho vai nos moldando ao longo da nossa existência. Engatinhamos os primeiros passos, crescemos, evoluímos e ganhamos dimensões novas no nosso existir. Este caminhar vai se constituindo durante a nossa existência, rumo à realização plena, enquanto pessoa, enquanto ser humano. Desde os primeiros passos que alguém nos ensina a caminhar, até a experiência da passagem definitiva para a outra dimensão. Na dimensão ultra, quando “Deus será enfim tudo em todos.” (1Cor 15)

Estote parate – esteja pronto, dizia o meu professor de latim. Este é o desafio que nos é proposto por Jesus, conforme os textos da liturgia do dia de hoje (Lc 12,35-38). Não sabemos a que hora o Senhor vai chegar e bater à nossa porta. Devemos estar prontos e preparados para este encontro d’Ele conosco. Sua chegada será imprevisível. Estar vigilantes e atentos é a nossa atitude a ser vivida. A prontidão deve ser a nossa melhor atitude. Uma espera ativa e confiante, daqueles e daquelas que se colocam na procura do Reino. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”, dizia Hamlet de William Shakespeare. São os mistérios que envolvem a vida. Cabe a cada um de nós viver e viver intensamente cada instante como se fosse único. Assim já nos dizia Santo Agostinho (354 – 430), “Viver sempre preparado para morrer, mas viver como se nunca fossemos morrer.”

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.