O caminho da cruz

Sextou outra vez! Penúltima sexta feira do mês de fevereiro. Liturgicamente falando, uma sexta feira da sexta semana do tempo comum. Caminhamos a passos largos para nos encontrarmos com o mês de março. Uma sexta que nos deixa contristados, pois no dia de ontem, a intelectualidade brasileira perdeu um de seus expoentes de peso. Morreu na tarde desta quinta feira (17), na cidade do Rio de Janeiro, aos 93 anos, o professor, educador, advogado, sociólogo, cientista político e ensaísta brasileiro, Antonio Cândido de Almeida, vítima de embolia pulmonar.

Cândido de Almeida, como era carinhosamente chamado, foi um dos mais lúcidos intelectuais brasileiros, que tinha uma cadeira cativa na Academia Brasileira de Letras (ABL). Abrilhantou com as suas escritas, o pensamento contemporâneo, sendo um árduo defensor dos direitos humanos, da democracia, enfrentando de frente os horrores da ditadura militar brasileira. Um brilhante professor universitário, lecionando nas melhores universidades, e fazendo suas palestras inclusive em Harvard, Columbia e Stanfor. Autor de vários livros, mas o que mais me fascinou foi “Subcultura e mudança: por que me envergonho do meu país”, publicado no ano de 2010, o qual recomendo a leitura.

Cândido Mendes, veio de um berço de resistência e coragem. Era irmão de outro grande homem, Dom Luciano Mendes de Almeida, de passagem significativa pelo episcopado brasileiro. Ambos transitavam pelas lutas dos pequenos, na construção de outro mundo possível, longe da exploração dos grandes sobre os empobrecidos. Enquanto o bispo trilhava, abnegadamente, o caminho das pessoas em situação de rua, o intelectual, a semelhança do italiano Antonio Gramsci (1891-1937), emprestava o seu nome à luta, como intelectual orgânico, por um mundo melhor e menos contraditório. Uma perda memorável, sobretudo num mundo caracterizado pelas pessoas avessas a leitura, nos fazendo seguir o conselho de Santo Tomás de Aquino: “Toma cuidado com o homem de um só livro”.

Mas voltando à liturgia de hoje, nos deparamos com um dos ensinamentos clássicos de Jesus diante de seus discípulos (Mc 8,34–9,1): o caminho da cruz. Um caminho nem sempre compreendido na sua propositura original. Muitas versões surgiram a partir das interpretações que foram feitas ao longo da caminhada da história da Igreja. A hermenêutica (interpretação), a homilética e a catequese da Igreja durante o período medieval (séculos V e XV)., pouco contribuíram para que as pessoas tivessem uma interpretação mais fidedigna com os anseios de Jesus, quanto ao que fora dito por Ele: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”. (Mc 8,34). A cruz como caminho de seguimento de Jesus de Nazaré, que pressupõe a renúncia.

A cruz não está ligada a um conceito determinista casuísta, mas como uma consequência para aqueles e aquelas que abraçam as mesmas causas de Jesus. Da mesma forma que a cruz não aparece no horizonte de Jesus como um desejo de Deus, de que seu Filho morresse dependurado um,a delas. “Tomar a cruz” não pode ser entendido como um sinal de sofrimento, de dor, ou de conformismo. Sofrer não é sinal de salvação, como se ensinou por muito tempo a catequese da Igreja. O sofrimento é inerente e faz parte das nossas vidas, como consequência das opções coerentes que fazemos na adesão ao projeto messiânico de Jesus. Ele, o sofrimento, se faz presente no horizonte do caminho da cruz como forma de superá-lo e que ele deixe de existir, pois Deus não nos criou para sofrer, mas para viver intensamente.

Abraçar a cruz com Jesus não é algo impositivo da arte de Deus, mas propositivo. Aderir ou não, cabe a cada um de nós. Uma adesão que se faz no contexto sócio-histórico que estamos vivendo. Entretanto, para “tomar a cruz”, requer algo mais do que uma simples vontade ou sentimento do coração. Faz-se necessário o “renunciar-se a nós mesmos”. Uma decisão corajosa de não permitir que a nossa vontade, os nossos interesses, os nossos privilégios. o nosso mundinho interior, se sobreponha ao projeto maior, de quem está apto a doar-se por inteiro a si mesmo, como dádiva no mesmo sonho de Jesus. Deixar de lado o nosso egocentrismo, o individualismo, para abraçar solidariamente as causas dos empobrecidos. e com eles sonhar o sonho de Deus: vida plena para todos e todas. Como bem resumiu o comentário da Bíblia Edição Pastoral: “Quem quer seguir a Jesus esteja disposto a se tornar marginalizado por uma sociedade injusta (perder a vida) e mais, a sofrer o mesmo destino de Jesus: morrer como subversivo (tomar a cruz)”, sabendo desde já que a morte não tem a última palavra, mas a vida, como a d’Ele que ressuscitou.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.