O caminho da humildade

Sábado da trigésima semana do tempo comum. O último final de semana do mês missionário que se despede de nós. Ainda há tempo para refletirmos sobre a nossa ação transformadora no mundo como missionários e missionárias, seguidores e seguidoras do Nazareno. O mundo tem sede de paz e de justiça. O amor está em desuso nas nossas relações. Sejamos os arautos da Boa Nova do Evangelho e defensores das causas dos pequenos, inspirados e assegurados naquilo que fora dito por Jesus de Nazaré em letras garrafais: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.” (Mt 25,40)

O sábado amanheceu ainda muito cedo para mim. Quisera eu ter rezado esta manhã na companhia de Pedro, as margens do Araguaia. Todavia, esqueci de combinar com o outro Pedro, que resolveu abrir de vez as comportas do firmamento, fazendo a água descer abundantemente aqui pelas bandas do Araguaia. Contentei-me de rezar na companhia dos sabiás, bentivis e João de barros, que se vieram se abrigar da forte chuva na área dos fundos de minha casa, sem se incomodarem com a minha presença junto deles. Acho que sabem que não vou fazer nada que possa colocar em risco as suas vidas. A Nossa Casa Comum é aqui numa perspectiva de Ecologia Integral. Não é que estamos todos interligados?

Mas nem tudo é festa aqui pelas raias da “Amazônia Legal”. O “Pecado Ecológico” segue devastando, destruindo e matando a vida dos Povos e demais seres vivos da Floresta. Ainda ontem, saiu um dado alarmante do desmatamento na região amazônica. Observou-se o maior desmatamento já registrado desde 2015, quando a medição passou a ser feita por meio de satélites, com a contribuição indispensável do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Cerca de 9.277 km2 de florestas deixaram de existir, afetando diretamente a vida de 30 milhões de brasileiros, habitantes desta região. Fora as centenas de milhares de vidas que dependem deste bioma para sobreviverem.

Assim que cheguei à Prelazia de São Félix do Araguaia (1992), fiz uma longa incursão pela floresta, celebrando com as comunidades no meio da mata e também para conhecer de perto os encantos deste rico bioma. Ninguém melhor que o nosso bispo Pedro para nos ensinar a ter uma relação respeitosa para com a floresta. Um de seus poemas me serviu de inspiração quando ele diz: “Quem fica na floresta um dia quer escrever uma enciclopédia; quem passa cinco anos, fica em silêncio para perceber o quanto é profunda e complexa a Criação”. Criação está que está sendo destruída diuturnamente pelas forças da morte que se instalaram em nosso país. Ou damos um basta urgentemente nesta situação, ou o futuro de todos nós está com os dias contados.

Estamos diante de um dilema fatal. Só há um caminho a seguir: o caminho da humildade. O caminho da gratuidade da humildade. Humildade que se faz distante da prepotência, da arrogância e dos múltiplos privilégios do poder. Pelo menos é disto que fala Jesus no texto que nos é proposto refletir na liturgia deste sabadão. A conclusão apresentada por Jesus é completamente adversa daquilo que propõe a lógica meritocrática do mundo: “Porque quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado”. (Lc 14, 11) A honra e os méritos de uma pessoa não devem ser baseados no orgulho e na ambição de ser mais e melhor que os outros. A necessidade de engrandecimento não contribui para o processo de identificação com as causas de Jesus. A humildade é o caminho mais curto que nos lava em direção ao ser e estar no mundo do discipulado de Jesus: “e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês”. (Mt 20,27) O caminho da humildade é o mesmo da mística e da espiritualidade de Jesus.

O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) foi o grande acontecimento da História da Igreja. Ele nos abriu os horizontes da modernidade, superando o obscurantismo da Idade Média. Nos colocou de volta na dialética do mundo. Nós latino americanos fizemos a leitura do Concílio através das Conferências Episcopais, dentre elas, Medellín – 1968 e Puebla – 1979. Medellín nos ajudou a encontrar o caminho da “Opção Preferencial pelos Pobres”, se tornado o nosso “Novo Pentecostes”, como gostava de afirmar o nosso bispo Pedro. A Teologia da Libertação, por sua vez, nos fez refletir sobre esta opção, nos tornando mais humildes, promovendo assim o encontro definitivo com as causas dos empobrecidos, marginalizados. O caminho da gratuidade da humildade, reconhecendo nos pobres os destinatários primeiros da missão libertadora de Jesus. Talvez por este motivo que a Teologia da Libertação tenha ganhado a antipatia dos conservadores reacionários, visto que na sua sede de poder, prepotência e arrogância, não trilhariam jamais o caminho da humildade com os pobres, “essa gentália”. “Quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês”. (Mt 20,27) Ser humilde não é ser menos que alguém. Pelo contrário, é saber que não somos mais e melhores que ninguém.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.