O caminho de volta

Quarto domingo da quaresma. Também chamado “Domingo Laetare”, ou “Domingo da Alegria”. Este dia nos lembra que o nosso caminhar precisa ser altivo e alegre, mas também comprometido e transformador. O caminhar da vida é feito de idas e vindas. Nem sempre é um caminhar seguindo em frente, mas há momentos que é necessário voltar atrás, retroceder, para encontrar o verdadeiro caminho. Conversão é também voltar atrás, para fazer a correção de rota, para irmos de encontro ao Deus da vida, cheio de amorosidade que nos aguarda de braços abertos.

Rezei nesta manhã as margens do Araguaia, me sentindo um ser privilegiado. Não é para qualquer um, estando em Mato Grosso, e ver o sol nascer no Tocantins, emoldurando de beleza e doçura o Rio Araguaia. O novo dia raiando na luz divina de um Deus que aposta na humanidade, sendo capaz de também fazer o “novo” acontecer. Somos a aposta de Deus, que ainda acredita no diferente que podemos ser e fazer. Cada um e cada uma, somos importantes neste processo, de fazer a vida mais bela, construindo um dia de cada vez. Feliz foi o “Poetinha” Vinicius de Moraes (1913-1980) que assim expressou: “Um novo dia vem nascendo. Um novo sol já vai raiar. Parece a vida, rompendo em luz, E que nos convida a amar”.

Nem sempre que nosso caminhar é sereno pelas trilhas da história de nossas vidas. Estamos percorrendo um dos piores caminhos, destes 133 anos de vida Republicana (14 de novembro de 1889). Nunca que a população brasileira, sobretudo os mais vulneráveis, se sentiu tão ameaçada e abandonada, seja na saúde, na educação, nas políticas públicas afirmativas, na seguridade social, no emprego, na segurança alimentar. Todavia, mesmo diante deste caos imperante, uma parcela significativa da população (30%), não é capaz de fazer o caminho de volta, e segue apoiando a política “necrófila” de um príncipe “Asmodeu”. Lembrando que no Antigo Testamento, Asmodeu era “um demônio maligno” que matara os sete maridos de Sara, filha de Raguel e de Edna.

Converter é fazer o nosso caminho de volta. É olhar para trás e ver as pegadas que fomos traçando ao longo de nossas vidas. É fazer um encontro pessoal conosco mesmos, recuperando toda a essência de nosso Ser enquanto Ser. É fazer uma viagem ao nosso interior e detectar onde foi que desviamos da rota que nos leva à vida plena. É reconhecer quem nós realmente somos, e quais motivações encontramos para viver com dignidade de filhos e filhas de Deus. Neste caminhar, vamos encontrando as respostas para várias perguntas necessárias: porque fui criado? Para que ganhei a vida? Qual é o propósito de Deus para a minha vida? Por que Ele ainda continua acreditando em mim? O que devo fazer para dar o melhor de mim e não contentar com o mínimo necessário?

A liturgia deste domingo nos reservou uma das páginas mais belas de todo o Novo Testamento (Lc 15,1-3.11-32). O capítulo 15 é considerado pelos exegetas como o coração do Evangelho Lucano. Nele a amorosidade de Deus Pai é o fundamento da atitude de Jesus diante das pessoas que o procuram. Se de um lado temos os fariseus e os doutores da Lei que criticavam a Jesus, dizendo: “Esse homem acolhe pecadores, e come com eles!” (Lc 15,2); de outro temos também: “Todos os cobradores de impostos e pecadores que se aproximavam de Jesus para o escutar”. (Lc 15,1) Jesus mostrando a que veio, se colocando lado a lado com os marginalizados, e com eles fazendo comunhão (sentar-se a mesa), se misturando literalmente com eles. Os dois lados de uma mesma moeda: aqueles que se colocavam completamente fora do alcance da Graça de Deus (fariseus e os doutores da Lei); e aqueles que encontraram em Jesus o seu único refúgio para escapar da marginalização (pagãos, cobradores de impostos e pecadores).

Este é o Deus de Jesus, pleno de misericórdia e compaixão para com os pequenos, que Ele veio nos revelar. Um Deus que não se alegra com a morte do pecador (Ez 18,32), mas que se converta e viva plenamente, razão pela qual fomos criados. Isto fica evidente nesta terceira parábola contada por Jesus, realçando assim a ternura, a compaixão e a amorosidade de um Pai, que fica aguardando, ansiosamente, a volta do filho, da filha que errou, e tem a humildade suficiente para perceber o seu erro, encontrando assim o caminho de volta. Um texto que evidencia os dois lados de nossa história de vida: de um lado, o errante pecador que se converte e volta atrás, e de outro a resistência do “justo” que resiste ao amor cheio de misericórdia do Pai. Por este motivo este é o domingo da alegria, de um Pai que não se contém ao ver o seu filho, a sua filha de volta aos seus braços. Deixemo-nos seduzir pelo carinho deste Pai amoroso, e nos joguemos dentro de seu abraço fecundo de plena ternura!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.