O caminho do discipulado

Terça feira da décima semana do tempo comum. Depois de passar por momentos litúrgicos tão significativos, voltamos ao período denominado de tempo comum. 7 de junho é uma data importante para a caminhada da Igreja que se faz na base, a “Igreja em Saída”. Se viva estivesse fisicamente no meio de nós, Dorothy Mae Stang (1931-2005), conhecida simplesmente como Irmã Dorothy, estaria completando 91 anos de vida e luta. “Bodas de Pinheiro”, de seu casamento com Jesus de Nazaré. Religiosa da Congregação de Nossa Senhora de Namur, norte-americana de nascimento, naturalizou-se brasileira e, desde 1966, trabalhava junto aos povos da Floresta, quando foi assassinada covardemente em 12 de fevereiro de 2005, a mando do latifúndio. Irmã Dorothy, presente!

A luta pela terra ainda mata muitas lideranças no campo em nosso país. Dorothy foi assassinada a queima roupa, inclusive com um tiro na cabeça. Desde o assassinato da religiosa, em Anapu, no Pará, outras 23 pessoas foram também assassinadas em conflitos relacionados à terra. Segundo dados recentes, a violência no campo cresceu assustadoramente 75% nos últimos anos. Não há paz no campo, muito menos nas terras indígenas em nosso Brasil. Para quem se elegeu afirmando irresponsavelmente que não demarcaria um centímetro de terra para os indígenas, daí surgem as consequências mais nefastas e terríveis para nós que estamos aqui na ponta. O agro é morte! Em todos os níveis.

Mas voltando ao tempo comum que ora estamos vivenciando, a liturgia desta terça feira reservou para nós um dos trechos extraídos do Evangelho de Mateus. Lembrando que este evangelista sinótico, ao propor a sua narrativa, tem a preocupação de dizer para nós quem é Jesus. Através de uma didática mais simples e acessível, ele nos apresenta Jesus com o título de “Emanuel”, que significa: “Deus está conosco” (Mt 1,23). Na sua concepção, Deus se faz presente em Jesus, comunicando a palavra e ação que libertam as pessoas e as reúnem como novo povo de Deus. Jesus presente na nossa vida desde a sua chegada, permanecendo conosco por toda a vida: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt 28,20) Estamos bem servidos pois, de agora em diante, Jesus é a única autoridade entre Deus e nós.

O trecho escolhido para a nossa reflexão no dia de hoje faz parte do capitulo 5 de Mateus, que é o início do chamado “Sermão da Montanha”. Aliás, do capitulo 5 ao 7, de seu evangelho, Mateus se ocupa em desvendar para nós o que seja este “Sermão da Montanha”, que é um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do Reino e da transformação que esse Reino vai produzindo na vida das pessoas, desde que elas façam a sua adesão à Jesus. O grande desafio proposto é que a comunidade reunida em torno de Jesus, o seu discipulado, torna-se agora a portadora da Boa Notícia a todas as pessoas, a fim de que elas possam pertencer ao Reino do Céu.

Segundo o evangelista Mateus, Jesus se refere ao seu discipulado fazendo uso de duas metáforas: sal e luz. Jesus, com a sua pedagogia, compara os seus seguidores como o sal da terra. Sal este que, na quantidade certa, tem uma função especifica de dar sabor à vida. Nem de mais, nem de menos, mas na medida necessária. Sal que não tem sentido em si mesmo, mas para alem de si. Ser sal, na compreensão de Jesus, é sair de nós mesmos para ir de encontro ao outro. Nossa vida não tem sentido em vivê-la para nós mesmos, mas para ser doada como serviço às outras pessoas. Ser sal e ser luz. Vida de luz que irradia raios, clareando a vida de quem ao redor dela está. Luz também que não existe para si, mas para ser com o outro. O meu Ser só pode ser com o Ser do outro. Sou o que sou e quem sou porque o outro é em mim.

O projeto do discipulado instituído por Jesus é muito claro e objetivo. A missão do discipulado é ser sal e ser luz no mundo. Ser vida e ser ação de transformação, afugentando a escuridão das trevas e das forças da morte. Neste sentido, os seguidores de Jesus devem estar conscientes de que estão unidos com todos aqueles e aquelas que anseiam por um mundo novo, justo e fraterno para todos. Ser sal e ser luz arregaçando as mangas, colocando a vida à serviço, dando testemunho através das ações de cada dia. Viver no discipulado de Jesus requer compromisso com as causas do Reino. Nesta perspectiva, a comunidade cristã, segundo a ótica de Mateus, é convidada a olhar para dentro de si mesma, a fim de descobrir a presença de Jesus, que ensina a prática do amor e da justiça, afinal de contas, Ele mesmo é a nossa luz: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas possuirá a luz da vida.” (Jo 8,12) Este é o caminho do discipulado, sendo sal e luz.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.