Sexta feira da quarta semana do tempo comum. E não é que sextou mesmo em fevereiro! A primeira sexta feira do mês. Para os devotos do Sagrado Coração de Jesus, este é o dia típico para manter viva a sua tradição, através do chamado, “Apostolado da Oração”. Uma corrente devocional que está presente no mundo inteiro, segundo eles, a serviço dos desafios da toda a humanidade e também da missão da Igreja. Assim agindo, eles acreditam que se fazem presentes nas “alegrias e esperanças, nas dores e nos sofrimentos de todos os irmãos de fé”.
Fevereiro chegou e vai dando as cartas de nosso existir. Aos poucos a nossa vida vai ganhando a consistência de dias mais esperançosos, apesar do número ainda excessivo de pessoas infectadas e também perdendo a vida para este vírus cruel desalmado. O horizonte que se descortina à nossa frente, ainda não nos sorri, trazendo-nos a segurança que tanto desejamos. Estamos a mercê dos protocolos sanitários e da vacina que vai chegando aos poucos para os braços das nossas crianças. Vacinas salvam vidas, queiram ou não os adeptos da anti-ciência.
Fevereiro nos traz também uma lembrança trágica para os que aqui estamos na Amazônia. Já se vão 17 anos da páscoa da missionária Irmã Dorothy Stang, que aos 73 anos, foi brutalmente assassinada no Projeto de Desenvolvimento Sustentável, no assentamento Esperança, no Pará. De idade avançada, esta religiosa norte-americana era naturalizada brasileira. Através da Comissão Pastoral da Terra (CPT), desenvolvia intenso trabalho na região amazônica, com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções para os conflitos relacionados à exploração fundiária. Irmã Dorothy, presente!
O martírio de Dorothy é apenas um dos milhares que já ocorreram na História da Igreja. Aliás, o berço do cristianismo é selado pelo sangue dos mártires que tombaram na defesa das causas de Jesus de Nazaré. Falar da História da Igreja é falar do martírio que sempre marcou a trajetória daqueles e daquelas que fizeram sua adesão ao Projeto de Deus revelado em Jesus. Jesus era criança, quando milhares de outras crianças de até dois anos de idade, perderam prematuramente as suas vidas, na tentativa dos poderosos de chegarem até Ele e matarem no berço o Plano de Deus.
O martírio nasce de mãos dadas com a Igreja. É o que nos diz a liturgia de hoje, que nos apresenta o martírio de João Batista. João o maior profeta de todos os tempos, de toda a história bíblica. Um obstinado pela verdade. Sua consciência era norteada pela verdade do Reino de Deus. Sobre ele o próprio Jesus assim se referiu: “Dentre os nascidos de mulher não há um ser humano maior do que João”. (Lc 7,28) João perde a sua vida em decorrência dos caprichos de um rei déspota sanguinário, que se vê em embaraços diante do profeta, por causa de sua consciência pesada.
Quem anunciava e preparava o caminho para o banquete da vida, tem a sua cabeça a prêmio no banquete da morte dos poderosos. A consciência de falar a verdade doesse a quem doesse, custou-lhe o dom precioso da vida. A radicalidade proposta pelo profeta precursor, que fecha os horizontes do Antigo Testamento, e prenuncia as transformações advindas com o Messias, deu de cara com os poderosos que se sentiram incomodados e ameaçados com tais transformações. A Boa Nova trazida por Jesus, anunciada por João Batista, desestabilizou o trono do todo poderoso rei, que se achou no direito de tirar a vida daquele homem de Deus.
Diante da morte de seu primo, Jesus dá início à sua vida pública, exatamente no meio da ralé e dos pagãos, gente que nada valia, mostrando que eles eram os destinatários primeiros de sua ação messiânica. Assim como João, Jesus tinha consciência da sua missão de ser portador de um Deus pleno de amorosidade, que tinha na ternura e na compaixão os caracteres essenciais do Reino a ser instaurado na história humana. A consciência é a essência do ser cristão, no seguimento verdadeiro de Jesus de Nazaré.
Consciência reta e tranquila, é tudo que almeja o cristão que aspira caminhar na mesma estrada com Jesus. Ela é como um juiz que determina a sentença da vida de quem a possui. Lembro-me de um dos fatos acontecidos com o nosso bispo Pedro. Como só viajava de ônibus e, no sacolejar deste, pelas péssimas estradas de chão aqui do Mato Grosso, dormia sossegadamente em sua poltrona. Perguntado se conseguia dormir com todo aquele sacolejo, ele assim respondeu: “talvez seja porque estou com a minha consciência tranquila”. Consciência que nos faz viver na luta do dia a dia, na certeza de fazer a nossa parte na construção do Reino de Deus entre nós. Consciência de nos envolver enquanto seres sociais na transformação da realidade. Neste sentido, muito nos ajuda a contribuição do velho Karl Marx: “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência”. Consciência tem a ver com o chão que estão pisando os nossos pés. Pise os pés firmes no chão e permita moldar a sua consciência pelo chão que ora está pisando. Os meus pés continuam enlameados pela terra indígena. E você, onde estão pisando mesmo os seus pés?
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.