Mais um sábado em nossa história de vida. Um dia para não ser lembrado. No dia de hoje, a cidade de São Félix do Araguaia, amanheceu coberta por uma espessa camada de fumaça. A floresta e o serrado, seguem sendo destruídos por aqueles que se acham no direito de colocar fogo em tudo. Todos os anos são estes os rituais que vemos acontecer entre nós, neste período do ano. Ainda mais agora, em que os órgãos fiscalizadores do meio ambiente, foram desmantelados pela ação do governo central. Na prática, vive-se o raciocínio absurdo de que: “se a Amazônia é nossa, vamos colocar fogo nela, antes que os inimigos estrangeiros a tirem de nós”.
Vivemos um grande dilema em nosso país. O nosso poder de destruição do meio que nos envolve é, de certa maneira, fantasmagórico. O fogo é uma das principais ferramentas utilizadas por alguns, para se promover a “limpeza”. É a chamada “cultura do fogo”, limpando o espaço para que novos brotos possam surgir. Assim, a vida segue ameaçada. Flora e fauna cada vez menos presente em nossas vidas. Ao contrário dos povos originários, poucos de nós tem a compreensão do que significa manter a floresta viva e em pé. Se ela não permanecer de pé, nós também não, como nos alertou a irmã Dorothy Stang, assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, também por assim pensar: “A morte da floresta é o fim da nossa vida”.
“Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão”, nos ensinava a canção “Pão da Igualdade”, que poucos a conhece por este nome. Apesar do falar, na perspectiva cristã, quase sempre esteja associado ao gesto profético, nem sempre o falar é um gesto de sabedoria. O falar e o calar, possuem dinâmicas próprias, que nem sempre sabemos ao certo quando devemos falar e quando precisamos nos calar. Assim como o falar pode ser um gesto de profecia, o calar também pode estar associado à sabedoria ou a omissão. Neste sentido, tanto o falar quanto o calar, possuem a hora e a vez de serem gestos pedagógicos. Falar e calar, duas fazes de uma mesma moeda: profetismo/sabedoria, ação/omissão. Quando saber falar ou calar?
“As pessoas perderam a capacidade de saber escutar”. Esta foi uma das frases repetidas diversas vezes pelo Papa João Paulo II. Na visão do pontífice, estamos mais aptos a falar do que em ouvir o que o outro tem a nos dizer. Falamos a exaustão e não disponibilizamos de nosso precioso tempo para ouvir aqueles que vem até nós. E aqui não se trata apenas de deixar entrar pelos ouvidos a fala do outro, como um gesto mecânico, mas de sair de nossa própria situação e buscar sentir com o coração (misericórdia), o que o outro deseja-nos comunicar, sem julgamentos prévios ou juízos de valores. Um exercício fundamental para adentrar-nos na situação vivenciada pelo outro e senti-la como nossa.
O Livro do Eclesiastes, com toda a sua sabedoria, nos dizia que há tempo para tudo em nossas vidas: “Tempo para calar e tempo para falar. Tempo para amar e tempo para odiar. Tempo para a guerra e tempo para a paz.” (Ecles 3,7). Tempos diferentes que precisamos aprender a administrá-los. Nosso bispo Pedro, por exemplo, tinha um jeito peculiar de saber falar e também de ouvir. Alguns de seus adversários que o atacava, nem sempre ele os respondia. Entendia ele que a pronta resposta, era tudo o que aqueles seus algozes esperavam para alcançarem ainda mais ibope. Todavia, não deixava de falar jamais e levantava sua voz profética contra as injustiças cometidas aos pequenos. O mesmo devemos fazer cada um de nós, quanto aos descalabros existentes: 15 milhões de desempregados; 20 milhões passando fome; 100 milhões de pessoas vivendo com uma renda mensal de R$150,00, e os governantes do país oferecendo fuzis, para armar ainda mais a população.
Saber falar e quando falar se transforma num gesto de sabedoria profética. Somos, desta maneira, desafiados a proferir a nossa voz ou nos calarmos numa demonstração clara e inequívoca de omissão. O calar nem sempre é sinônimo de sabedoria. Ao contrário, segundo a sabedoria popular, “quem cala, consente”. Jesus não se calou diante das injustiças da sociedade de seu tempo. Enfrentou as autoridades judaicas que promoviam todas as formas de injustiças contra os pequenos. Como seguidores seus, temos por obrigação e dever ser porta-vozes dos pequenos, dando voz e vez aos invisíveis. Foi o que disse um de seus discípulos de nosso tempo, o pastor batista e ativista político estadunidense Martim Luther King (1929-1968) “O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons.” Falar ou calar? Eis a questão! Que nos ajude um dos provérbios persas: “Duas coisas indicam fraqueza: calar-se quando é preciso falar, e falar quando é preciso calar-se.”
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.