Já estamos no terceiro sábado do mês de julho. Duas semanas nos separam do final deste mês. Aos sábados, gosto de começar o meu dia, ao lado do profeta do Araguaia. Fui logo cedo rezar com Pedro, tendo como testemunhas, a nuvem de periquitos que pousaram alegremente sobre o pequizeiro, entoando o seu ruidoso mantra, fazendo cair as flores, sobre o túmulo do poeta. Pouco tempo depois, tive também o sol, registrando este momento sagrado, nascendo sobre o Araguaia, rompendo o alvorecer de mais um dia.
O dia de hoje me fez lembrar aquilo que nos ocorreu há cinco anos atrás. Neste dia, estávamos todos entusiasmados no Santuário dos Mártires, em Ribeirão Cascalheira, realizando a 6ª Romaria dos Mártires, cujo tema foi: “Profetas do Reino” na comemoração dos 40 anos do martírio do Padre João Bosco, do Padre Rodolfo Lunkenbein e do indígena Simão Bororo. Foi a última, em que Pedro se fez presente fisicamente. Ali, ele prenunciou sobre a sua participação nas romarias vindouras: “Possivelmente essa seja, para mim a última romaria pé no chão, a outra já seria contando estrelas no seio do Pai”
O ano era o de 2016. Éramos felizes e sabíamos que o éramos. Muita coisa mudou de lá para cá. Uma tragédia, abateu-se sobre as nossas cabeças. Tempos sombrios passaram a fazer parte de nosso cotidiano. Muitos direitos suprimidos, a luz do dia sem nenhuma cerimônia. O caos veio morar no meio de nós. Muito retrocesso, que jamais imaginaríamos que chegasse a tal ponto. De dentro das pessoas, aflorou um sentimento estranho. Algumas delas, encheram-se de coragem e deixaram transparecer, um outro ser, que dormitava dentro de si, com todos os requintes de crueldade, mentira, ódio, intransigência e intolerância, aos que pensamos diferente, na defesa de outra sociedade, mais igualitária e fraterna para todos.
Sou Francisco, mas não sou o de Assis. Ele sabia conviver com os outros seres, chamando-os inclusive de irmãos. Numa sinergia simbiótica, que encantava a muitos que o admiravam, como um servo fiel ao criador. Ele me inspira e me faz encantar com a criação. Todas as manhãs, me vejo contemplando a vida que acontece no meu quintal. Admirando a natureza mãe, vejo nela o pulsar do coração do próprio Deus que ali se faz presente. Aprendi a cultivar frutas, para satisfazer a fome destes seres, que nesta época do ano não dispõem de muita opção na floresta, uma vez que parte dela arde em chamas, pela ação diabólica de alguns.
No texto da liturgia de hoje (Mt 12,14-21), Jesus dá de cara com os fariseus, que o queriam fora de combate: “Os fariseus saíram e fizeram um plano para matar Jesus.” (Mt 12,14) lembrando que os fariseus (perushim em hebraico, que significa “os segregados”), eram aquelas pessoas que faziam parte de um partido, formado por judeus. Este grupo de pessoas, se esmerou em fazer uma oposição acirrada ao ministério de Jesus de Nazaré. Todavia, não estavam sozinhos nesta empreitada, mas somavam-se aos saduceus e aos essênios. O interessante a ser observado, é que eles eram admirados pelo povo. “Qualquer coincidência com os dias atuais, é mera semelhança.” (trocadilho meu)
Todos e todas, trazemos dentro de nós os fariseus em potencial, que pode vir a ser. Aqui, recorro ao filosofo grego Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C) para nos ajudar a entender a diferença entre “ato” e “potência”. Segundo ele, o ato é aquilo “que é”, enquanto “a potência” é aquilo que “pode vir a ser”. Transmutando para a questão do fariseu que habita em nós, ele fica esperando a nossa ordem, ou autorização para se transformar em algo real nas nossas relações. Quem consente, que o fariseu que há em nós, seja o ator principal, somos nós mesmos. O bem e o mal coexistem dentro de nós. Vivem numa luta permanente, do “ato”, desejando se transformar em “potência”. Bem e mal de braços dados, convivendo em nossas entranhas, muito embora para outro filosofo: “Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância.” (Sócrates 1844 a.C. -1900 a.C)
Ao contrário dos fariseus, que só pensam em destruir o outro, inclusive desejando a sua morte, Jesus é a grande esperança de Deus para nós. Mesmo sabendo que a morte o espreitava à sua frente, como consequência da sua fidelidade às “Causas do Pai”, não arredou o pé, mas partiu para o enfrentamento. Colocando sob suspeita e destruindo a ideia de religião e sociedade, que aquelas lideranças políticas e religiosas, tinham arquitetado, anulando os podres de Javé. Jesus age por amor. Ele deixa transparecer em si toda a ternura e misericórdia de Deus. Fazia acontecer em sua ação libertadora o que fora dito pelo filosofo Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.” O bem sempre vencerá o mal. A última palavra é a da vida e não a da morte, mesmo em condições adversas. Ademais, em terras farisaísmo latente, que possamos dizer como Pedro: “Podem nos tirar tudo, menos à fiel esperança!”.