O fermento da hipocrisia

Sábado da Nona Semana do Tempo Comum. E vamos caminhando lado a lado rumo às nossas realizações pessoais e comunitárias. O horizonte que se descortina nos conclama a buscar a felicidade não em coisas efêmeras, mas na essência de todas as coisas. O nosso existir é fundamentado na essência do ser. Na concepção do Filosofo existencialista francês Jean Paul Sartre, “ser-para-si”, que é caracterizado como algo cuja essência depende da existência. Não tem natureza absoluta, fixa ou eterna. O nosso “Ser” está escrito no Livro Divino, pois Deus nos criou para sermos seus.

Somos obras de Deus. Criaturas suas. Cada um de nós traz em si o selo da criação divina como essência do existir. Existir neste plano é olhar para nós mesmos e para todos aqueles que nos irmanam, vendo em cada um deles o espírito do Criador. Deus que se faz presente em mim e em cada uma de suas criaturas. O dom maior da vida é a grande dádiva de Deus a nós. Viver na plenitude maior que possamos conquistar, numa dimensão maior de que estamos todos interligados. O realizar de um, passa pelo realizar do outro de forma intrínseca.

Interligação que fiz nesta manhã rezando com os meus visitantes ilustres. O quintal estava cheio deles. Cada qual com o seu cada qual, entoando suas melodias características, salmodiando o dia que despontava no horizonte. O sol tardou a sair com os seus raios reluzentes, prorrogando a madrugada de mais um dia. Fiz-me um São Francisco de Assis, cantarolando com eles e sentindo a presença viva de Deus em cada um/uma. “Onipotente e bom Senhor, a ti a honra a gloria e louvor! Todas as bênçãos de ti nos vêm. E todo o povo te diz: amém!”

Mais um sábado abrindo as portas do final de semana. Aqui e acolá, os festejos juninos seguem firmes com o nosso povo manifestando a sua devoção aos santos deste mês. As comunidades aproveitaram do feriado prolongado de Corpus Christi para também prolongar os festejos de Santo Antonio, o “santo casamenteiro”, como dizem por aqui na Prelazia. Esta vai ser a toada até o final do mês de junho, afinal estes são os santos prediletos da devoção popular. Que o diga o nosso Nordeste.

De devoção em devoção. Esta é a vida do seguidor de Jesus. Não de uma devoção alienada ou de aparência, mas fundamentada na prática de Jesus de Nazaré. Se, de fato, queremos seguir na mesma perspectiva de Jesus, precisamos dar um salto de qualidade e amadurecimento na nossa fé para adequá-la aos ensinamentos do Nazareno. Não permitir que a nossa fé seja movida pela hipocrisia. Entendendo a Hipocrisia como fingimento, falsidade; fingir sentimentos, crenças, virtudes, que na realidade não as possuímos. Uma fé autêntica, provada no fogo da realidade que se vive. O evangelista Mateus até nos dá uma dica: “Felizes os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”. (Mt 5,3)

A palavra hipocrisia vem do latim e também do grego e pode ser traduzida por “representação”. Representar aquilo que não se é na verdade, ocultando a realidade através de uma máscara de aparência. No Novo Testamento, os hipócritas são lembrados em muitas passagens dos evangelhos. Hoje, temos a chance de meditar uma destas passagens, quando Jesus claramente diz aos seus discípulos e discípulas: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes”. (Mc 12, 38-39) O tempo passa e alguns dos “seguidores” de Jesus continuam ainda hoje com a mesma prática dos hipócritas ditos na palavra de Jesus. Certamente, pularam esta passagem do Evangelho de Marcos, ou não entenderam nada do que disse Jesus. Aqui cabe uma das frases ditas por Augusto Branco: “Quando eu perder a capacidade de indignar-me ante a hipocrisia e as injustiças deste mundo, enterre-me: por certo que já estou morto”.

Nos tempos atuais é comum vermos sacerdotes, religiosos e até bispos ostentarem nas suas vestimentas, seja no altar ou fora dele. Roupas, inclusive, que foram usadas na Idade Média e que hoje não fazem o menor sentido, uma vez que, “o Filho de Deus não tinha nem onde reclinar a sua cabeça”. (Lc 9,58) Roupagem e linguajar que não se enquadram na vida e proposta de Jesus. Como vemos, o fermento da hipocrisia sobreviveu ao tempo. Estes são os hipócritas, criticados e denunciados por Jesus. Eles que transformam o espaço sagrado do Templo e do saber em poder, aproveitando-se da própria situação para viverem ricamente à custa das camadas mais pobres do povo. Disfarçando tal exploração com orações e vestimentas luxuosas, com motivo religioso, tornam-se ainda mais culpados segundo Jesus.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.