O filho da ternura

Segunda feira da 27ª semana do tempo comum. Festa de São Francisco de Assis. Um dia especial para os amantes da natureza e os filhos da criação. Um dia emblemático para todas as pessoas de bem. No dia de hoje, 04 de outubro, fazemos memória de São Francisco de Assis. Este pequenino grande homem, que nasceu há 839 anos (1182), numa das regiões mais lindas da Itália, na bucólica Assis, região da Úmbria. Um homem que manteve uma relação de profunda sintonia, sinergia e respeito para com a natureza, os filhos da criação. Um revolucionário embevecido pela paz. Viveu em tudo nas pegadas de Jesus de Nazaré. É dele que que nos vem a forte expressão “Paz e Bem”.

Filho de um rico e próspero comerciante da nobreza italiana, foi da mãe que herdou o caráter, a ternura e a dedicação às causas de Deus. Sua inquietude de quem está incerto quanto ao sentido de sua vida o fez abandonar os valores próprios de sua classe social abastada e enveredar pelo caminho de uma vida austera, na defesa dos pequenos e marginalizados. Amante e amigo da mãe natureza, coloca-se inteiramente nas mãos de Deus como um servo sofredor, fazendo repercutir em si a frase: “Senhor, o que quereis que eu faça?” Não tinha intenção alguma de que fosse seguido por quem quer que fosse, apenas e tão somente, viver sua vida austera no seu jeito Francisco de evangelizar.

Francisco ainda muito jovem despertou o seu olhar para uma ecologia integral. Um homem medieval, mas que tinha uma consciência ecológica, manifesta na sua relação de intimidade com a natureza. Segundo ele, o ser humano não era mais importante que os outros seres vivos, como um ser superior a eles. Na sua compreensão, todos os seres, somos criaturas de Deus e que estamos num mesmo pé de igualdade. Este seu carinho para com os animais o tornou o grande defensor deles ao ponto de chamá-los todos de irmãos e irmãs.

São Francisco de Assis é modelo para muitos de nós que queremos trilhar o mesmo caminho de Jesus. Um homem que, a seu tempo, soube ter uma sintonia fina com a criação. Talvez o primeiro servo de Deus ecológico, pois se integrara à natureza de forma a viver a plenitude do espirito de uma “ecologia integral”. Na mesma linha de Francisco, também os povos indígenas conseguem fazer esta integração harmônica. Na sua compreensão ecológica, os povos originários, se fazem um com os demais seres vivos que habitam a Mãe Terra. Todos estão interligados e tem a sua função especifica no ciclo integral da vida. O ser humano não se faz superior, que domina os demais seres, mas convive harmoniosamente lado a lado. Esta situação é possível de se ver no chão das aldeias indígenas. Há uma quantidade enorme de animais silvestres, convivendo no dia a dia da aldeia, entrelaçando com crianças, jovens e anciãos. Ninguém os molesta ou maltrata.

Uma sensível e profunda visão ecológica de Francisco nos possibilita entender o que está acontecendo neste atual momento trágico da nossa querida Amazônia. A devastação de todo o meio ambiente que nos circunda, em nome de alguns interesses mesquinhos e escusos de ruralistas do agronegócio, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros. Tudo em nome do lucro ganancioso diabólico, que destrói tudo à nossa volta. O ser humano explorador tirano, que devasta a natureza com fogo em nome do lucro, numa atitude suicida, afetando toda a humanidade, uma vez que, se a natureza morre, também todos nós morreremos juntos. Modelos econômicos que degradam o meio ambiente assustadoramente.

Francisco de Assis e também o de Roma. Ambos nos ajudam a sintonizar com as coisas de Deus. Cada um deles, a sua maneira, nos remetem à obra da criação como criadores de novas ideias, para repensar outro mundo possível: tem o Buarque; tem o César. tem o Sciense e tantos outros mais, que nos colocam no mesmo plano de uma vida pensada para toda a criação. Outro que não é Francisco, mas se fez seguidor do de Assis, na sua radicalidade de vida evangélica a toda prova. Um Claretiano, em terras mato-grossenses, vivendo a radicalidade da pobreza em todos os níveis, para estar com e para os pobres a quem servia, como testemunha fiel do Ressuscitado. Como fez questão de deixar registrado em uma de suas canções em que fala do pobre de Assis: “Nós aqui na terra/vamos mal vivendo/que a cobiça é grande/e o amor pequenos”.

De Francisco a Francisco. Do “Povorrelo de Assis” ao Francisco dos nossos dias. Se lá, havia um homem antenado com as coisas de Deus, mas que não deixou de viver envolvido nas causas dos pequenos, pobres entre os pobres; cá temos um homem decidido, que enfrenta de cabeça erguida os desafios da humanidade, sendo uma das principais lideranças mundiais. O Francisco de hoje também nos faz acreditar numa outra igreja, que não seja aquela, presa aos seus dogmas nos recantos das sacristias, mas que vai aonde o povo está, sendo testemunha viva de um Jesus encarnado na vida dos pobres e fazendo com eles a história acontecer. Talvez por este motivo seja também odiado e não escutado e tampouco lido, pelos acomodados nos porões das sacristias. Que o espírito de São Francisco de Assis, nos fortaleça a todos, para também nós façamos de nossas vidas, instrumentos de uma paz inquieta, na luta por um mundo melhor para todos. Paz e bem! Viva Francisco de Assis! Viva os outros Franciscos!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.