O lado da história

Terça feira da terceira semana do Advento. O tempo de preparação para o Natal segue na agenda de nossos dias. Tempo de alegria e esperança na vinda do Messias anunciado. Tempo de recordar que o Deus vivo já estabeleceu sua morada entre nós, fazendo a história da vida plena acontecer. O Deus da vida já está presente entre nós e tem um lado definido de sua predileção: o lado dos pobres, como bem define uma das antífonas da celebração de hoje: “Contemplai a sua face e alegrai-vos, e vosso rosto não se cubra de vergonha! Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido, e o Senhor o libertou de toda angústia.” (Sl 33, 6-7)

Hoje é dia de festa para a nossa Igreja. Celebramos a memória de Santa Luzia. Esta italiana do final do século terceiro do cristianismo. Embora invocada como a protetora dos olhos, janela da alma, pouco se sabe a respeito de sua história de vida. Alguns hagiógrafos dão conta que ela teria sido decapitada por volta do ano 304 d.C. Mais uma mártir da história do cristianismo e, segundo alguns relatos, teriam sido arrancados os seus olhos antes de morrer. Que Santa Luzia nos dê forças e coragem para enxergar melhor a realidade não só com os olhos físicos, mas também com os olhos da alma.

Enxergar a realidade com os olhos da alma. Realidade que nos circunda e nos coloca em sintonia com um plano maior de vida para todos e todas. Memórias que se fazem na história e nos instiga a ter um lado definido de posicionamento. O lado certo da história como Jesus: o lado dos pobres, marginalizados e excluídos. O lado de quem é desprezado e não tem valor, onde lhes são negados os seus direitos básicos e fundamentais para viverem com dignidade de filhos e filhas de Deus. “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”. (Mt 5,3) A felicidade proclamada como libertação e não como conformismo e alienação.

“Na dúvida, fique do lado dos pobres”. (Pedro Casaldáliga) O lado dos oprimidos. O lado certo da história no seguimento de Jesus de Nazaré, que neste dia de hoje, nos faz um alerta altamente revolucionário: “Em verdade vos digo, que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus”. (Mt 21, 31) No entendimento de Jesus, os que buscam a justiça do Reino são exatamente os pobres que vivem sufocados na sua angústia e no seu anseio pelos valores que a sociedade injusta rejeita. Esses pobres estão profundamente convictos de que eles têm necessidade de Deus, pois só com Deus esses valores podem vigorar, surgindo assim uma nova realidade social em seu favor.

Não basta dizer “sim”, mas é preciso “fazer”, como nos mostra a parábola de hoje contada por Jesus. Aquele que disse “sim”, não o “fez”, mas aquele que disse “não”, acabou por “fazer” o que devia ter sido feito. Não são as nossas palavras que determinam o nosso ser cristão, seguidor de Jesus, mas o nosso fazer concreto. Há um distanciamento muito grande entre aquilo que se fala da boca pra fora e aquilo que se faz a partir do sentimento que está presente no coração. “A palavra convence. O exemplo arrasta”, dizem-nos os mais vividos. Não são os discursos eloquentes dos púlpitos das igrejas que tocam o coração das pessoas, mas a prática de vida daqueles e daquelas que se fazem seguidores de Jesus, no chão existencial dos sofredores, nas mais longínquas periferias. Até porque, como diria Leonardo Boff, “a cabeça pensa a partir de onde os pés estão pisando”. Cabeça e coração pensa e sente a partir da misericórdia para com os que sofrem.

Fazer a vontade de Deus é o mais importante e o mais desafiador na nossa experiência de fé: “Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu.” (Mt 7,21). Aqueles que se consideram os mais justos, “pessoas de bem” e que estão acima do bem e do mal, se comportam como o filho daquele pai que disse “sim” e não foi. Falam, mas não fazem. O comportamento do filho mais novo é o protótipo dos chefes do povo, que se consideram justos e não necessitam de conversão. Tanto aqueles do tempo de Jesus como estes do nosso tempo, que se sentam sobre as suas cátedras, cheias de poder e privilégios, sem ter a humildade suficiente para se colocarem como os primeiros a darem exemplos de uma vida mais austera, fazendo acontecer aquilo que precisa ser feito. Entre o “sim” e o “não”, há o fazer como gesto concreto de se viver a fé. Que Santa Luzia ilumine o nosso caminhar!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.