O lugar pedagógico do amor

Quarta feira da sétima semana do tempo pascal. O mês de maio passou o bastão a junho. Já estamos caminhando para a metade de mais um ano em nossas vidas. Iniciamos bem o mês junino, celebrando a festa de um grande homem da história da Igreja, o filósofo e mártir São Justino [103-167]. Ele que nasceu na cidade de Siquém, na Palestina, oriundo do paganismo, mas que se converteu ao cristianismo, defendendo até a morte os princípios e a verdade cristã. Como filósofo Iniciado no platonismo, abandonou esta teoria para abraçar de vez o projeto de Reino anunciado por Jesus, dando sua vida a esta causa. Uma das frases atribuídas a Justino serve para exemplificar o contexto de nossos dias: “A ninguém é permitido pronunciar o nome inefável de Deus. Se alguém ousa afirmar ter em si este nome, não passa de um louco”. São Justino, rogai pela insanidade de nossos dias!

O martírio de Justino inspirou-me a rezar nesta manhã um pouco mais fria aqui pelas bandas do Araguaia. Enquanto os macacos bugios, em meu quintal, ensaiavam liturgicamente a cena de seus acasalamentos, espalhando sua semente reprodutiva, trouxe presente comigo o belo mantra criado pelo amigo Cirineu Kuhn: “Pai nosso dos mártires”. Uma canção que, por si só, já é um convite solene à oração, provocando em nós a lembrança dos mártires de ontem e de hoje de nossa história. Como não pensar nos mártires da educação brasileira, negligenciados e pisoteados pelos governantes que ora nos trazem tantos dissabores?
https://www.youtube.com/watch?v=lsPDR_912ls

Estamos a caminho das luzes de Pentecostes. Tempo mais que oportuno para trazer presente a temática da educação brasileira. Se um dos objetivos da Campanha da Fraternidade de 2022, “Fraternidade e Educação”, é o de “promover o diálogo sobre a realidade educativa no Brasil, à luz da fé cristã”, estamos com a faca e o queijo nas mãos para desenvolver tal possibilidade. Sobretudo num dos momentos de rara infelicidade, o governo que aí está, cortou 14,5% da verba do Ministério da Educação (MEC), destinada às universidades e aos institutos federais. Tal corte equivale ao montante de 23 bilhões de reais, afetando seriamente o orçamento e comprometendo o funcionamento tanto das universidades públicas quanto dos institutos.

Que falta nos faz nosso patrono Paulo Freire que afirmava com todas as letras que “Educar é um ato de amor”. A educação é, por excelência, o espaço pedagógico do amor. A escola é o lugar privilegiado de se fazer acontecer a produção de conhecimentos na amorosidade. Ao contrário do que pensam alguns dos nossos, a escola não é lugar de se fazer educação, mas “escolarização”, já que a educação vem do berço familiar. Ela acaba fazendo estas duas coisas, por causa da dilaceração da família. Assim, nossos educadores acabam fazendo, além do papel do educador, também a função de pai, mãe, psicólogo, assistente social. Querendo apenas serem reconhecidos e valorizados na sua função de educadores.

Educadores e educadoras que amam aquilo que fazem e o fazem acreditando naquilo que fazem com a dedicação que a causa exige. Com “a cara e a coragem”. Tudo porque, somos educadores que acreditamos numa das máximas ditas pelo nosso grande pedagogo: “Amar é um ato de coragem. Uma pena que a nossa Igreja não tenha abraçado de vez a causa da educação, a partir da exortação proposta pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Houvesse os nossos bispos, padres, freiras e seminaristas lido, ao menos “Pedagogia do Oprimido” (1968), talvez não fossem tão herméticos e alienados com a sua “Educação Bancária”, já que esta obra prima é tida como o “evangelho pedagógico dos oprimidos”. Infelizmente somos, em grande parte, uma Igreja mais voltada para o seu sacramentalismo hierárquico dogmático, olhando para os seus próprios umbigos e pouco se importando com as mazelas da educação de nosso país.

Educação é coisa séria! Como educadores e educadoras, seguimos ainda acreditando na educação e nas possibilidades de transformação que ela é capaz de promover e construir, com vistas a um mundo melhor para se viver. Uma busca que se faz continuamente uma vez que, “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria” (Paulo Freire). Como o próprio Jesus nos adverte com a sua fala que a liturgia deste dia nos traz: “Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno”. (Jo 17,15) Como seguidores de Jesus, devemos abraçar a missão de revitalizar o mundo, uma vez que este não pode ser algo estranho a nós. A educação é uma das ferramentas necessárias e imprescindíveis para realizar a transformação deste mundo, visando o bem estar de todos, uma vez que ela é o lugar pedagógico do amor. Amor pela vida e pelo mundo que podemos construir juntos pelo amor.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.