O luto e a luta

27ª semana do tempo comum. Estamos chegando a mais um final de semana. Já é o segundo do mês missionário. Na caminhada, vamos desvendando a missão que nos cabe viver neste mundo. Lembrando que a omissão e a indiferença não podem fazer parte deste nosso estar no mundo, sob pena de pecado gravíssimo. O muro já tem dono. Ser e estar com o Mestre Galileu é estar em sintonia com o Projeto de Deus que Ele veio nos trazer. O contrário disto, chama-se fé descomprometida e alienada, dissociada e desenraizada da verdadeira missão a que somos chamados pelo batismo. Ele mesmo já nos alertou: “Seja quente ou frio, não seja morno que eu te vomito”. (Ap 3,16)

Vivemos uma semana bastante especial. Nesta semana que estamos findando, tivemos oportunidade de referenciar duas personalidades distintas. A primeira delas foi a do arcebispo da Igreja Anglicana Desmond Tutu (1931), que neste dia 7 último, completou 90 anos de idade. Ele que foi o primeiro negro a ocupar o cargo de Arcebispo da Cidade do Cabo, na África do Sul. Também pela sua incansável luta pela paz, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1984, por sua luta contra o Apartheid, regime de segregação racial em seu país natal. Um grande homem de Deus que, mesmo aos 90 anos, segue lutando pela justiça e pela paz, sobretudo para os mais pobres, empunhando a bandeira da igualdade racial. Como ele mesmo já se manifestou em uma de suas frases: “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”.

A outra personalidade, que alguns de nós “cristãos” torcem o nariz quando seu nome é lembrado é Ernesto Che Guevara. Um líder revolucionário argentino, que nasceu no ano de 1928, foi assassinado na Bolívia em 9 de outubro de 1967. Proveniente de família de classe média alta, formou-se em Medicina na Universidade de Buenos Aires, em 1953. Entretanto, abandonou a medicina, convencido de que a revolução era a única forma de acabar com as desigualdades sociais existentes na América Latina. Embrenhou-se no México em 1954, onde juntou-se a um grupo de exilados cubanos liderado por Fidel Castro, dando um novo destino para a sua vida de guerrilheiro. Seu legado nos inspira até os dias de hoje, uma vez que não conseguiram matar o seu espirito de luta.

Duas personalidades distintas, mas movidas por extremo jeito revolucionário de ser e viver a sua fé. Cada qual, a sua maneira, souberam fazer de suas vidas o seguimento de Jesus de Nazaré, colocando-se a serviço da justiça do Reino. Este é também o desafio que nos é posto, quando decidimos seguir nas mesmas pegadas de Jesus. A luta é uma constante e não há meio termo. Ou nos colocamos nesta mesma perspectiva, ou ficamos no meio termo, nem lá e nem cá. Quantos de nós cristãos vivemos a nossa fé de maneira morna, contentando tão somente em participar da vida sacramental proposta por uma igreja que uma parte dela, abandonou de vez o profetismo e segue abençoando as estruturas de morte arquitetadas contra os mais pobres.

Nesta semana também temos algo a não comemorar. Estamos todos enlutados. Ultrapassamos a triste marca de seiscentas mil vidas tiradas do meio de nós. Não são apenas números de uma triste estatística. São muitos projetos de vida encerrados prematuramente. Muitos sonhos que deixaram de ser realizados. Muitas famílias enlutadas. Muitos filhos e filhas órfãos. Muitos pais e mães chorando a morte de seus filhos e filhas. Muitos amigos e amigas que nos deixaram. E o que mais dói no coração é saber que a morte de 4 em cada 5 pessoas, poderiam ter disso evitadas se não houvesse um genocida a governar este nosso país. Mesmo com toda esta estatística de mortes prematuras, ainda assim há aqueles que conseguem apoiar o pandemônio que se instalou entre nós e que tanto mal tem feito à nossa gente.

Somos filhos e filhas da esperança. O esperançar está presente em nosso coração de seguidores de Jesus. Por mais que os tempos sejam difíceis, cabe a cada um de nós transformar o luto em luta. Lutar não será em vão! Aceitar passivamente a situação como ela se apresenta é o mesmo que ser convivente com tanta morte de inocentes. Nossa luta fortalece o nosso clamor por justiça. A história será escrita e, com certeza grifará e responsabilizará aqueles que contribuíram para esta grande tragédia entre nós. Um clamor que chega aos ouvidos de Deus por justiça. Se a Palavra de Deus está em nós, não há como recuar, mas fazer aquilo que Jesus nos orienta no evangelho de hoje: “Muito mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. (Lc 11,28) Ou seja, acolher a palavra de Jesus e praticá-la é dom maior do que o simples fato de ser mãe dele.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.