Terça feira da décima nona semana do tempo comum. Uma semana profundamente significativa para nós aqui da Prelazia de São Félix do Araguaia. A nossa Igreja faz acontecer nestes dias a Segunda Semana Dom Pedro Casaldáliga (1928-2020). Dois anos nos separam da páscoa de Pedro. O “militante da utopia” fez a sua páscoa no dia 8 de agosto de 2020. Seu corpo segue enterrado num cemitério desativado à beira do Araguaia, onde ele mesmo disse que gostaria de ser enterrado ali, para passar a eternidade contemplando o caudaloso Rio Araguaia. Seu túmulo ali se encontra talhado sob medida, incrustado entre um peão e uma prostitua, ambos assassinados pelas forças diabólicas do latifúndio. Simplicidade a toda prova.
Pedro, pedra de tropeço para muitos dos poderosos de ontem e de hoje. Chegou por estas bandas nos idos de 1968, em plena ditadura militar. Logo mostrou à que veio. Ordenado bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, em 23 de outubro de 1971, escreveu a primeira Carta Pastoral, demonstrando em seu título o perfil da igreja que teceria neste solo amazônico: “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”. Um bispo diferente, aguerrido, que fez a sua opção de caminhar com os pequenos, se fazendo evangelicamente um deles, como está descrito num de seus poemas: “Me chamarão subversivo. / E lhes direi: eu o sou. / Por meu Povo em luta, vivo. / Com meu Povo em marcha, vou / Tenho fé de guerrilheiro / E amor de revolução. (“Canção da Foice e do Feixe”)
Pedro, poeta, pastor, profeta do Araguaia, de uma Igreja já em Saída. Seu legado nos ensina que a nossa força está em nossa união para vencer o dragão. O dragão do latifúndio improdutivo de outrora, venenoso e transvestido em agronegócio. Seu corpo físico não se faz mais presente entre nós, mas os seus ideais, seus sonhos e sua tenacidade e as utopias do Reino, nos impulsionam a lutar pelas mesmas causas. Servo incansável das causas dos pequenos, dos povos indígenas, dos peões, posseiros e ribeirinhos que viram em Pedro um representante seu nas lutas diárias e no meio eclesiástico, fazendo jus a um dos pedidos de Jesus: sedes pequenos como as crianças.
Neste 09 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, faz sentido fazer memória também de Pedro, um dos maiores defensores da causa indígena. A comunidade internacional celebra o dia dos povos indígenas, no intuito de valorizar todas as contribuições e saberes milenares que esses povos transmitiram para as mais diversas civilizações no mundo. No Brasil, segundo o último senso demográfico de 2010, há uma população de aproximadamente 800 mil pessoas, constituídas nas ainda 305 etnias, falando cerca de 274 línguas maternas vivas. Povos identitários, cuja cultura ultrapassa gerações através da oralidade. Ainda bem que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, criou este dia em 23 de dezembro de 1994, através da resolução 49/214, enaltecendo assim as culturas ancestrais dos povos indígenas. Muito ainda temos que com eles aprender.
Aprender com os povos indígenas. Aprender com Jesus que o maior é o menor. Esta é a grande lição que o Mestre Galileu nos dá através da liturgia desta terça feira. Estamos refletindo um dos cinco discursos de Jesus, que o evangelista Mateus nos traz. No de hoje, é o chamado “discurso eclesial”, ou seja, Jesus está se dirigindo à sua Igreja nascente: “Se não vos converterdes, e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”. (Mt 18, 3) Converter de uma situação de busca pela grandeza da prepotência, da arrogância, dos privilégios, do carreirismo, das regalias da riqueza e do poder, para uma situação de pureza, humildade e inocência desarmada de uma criança. Ser o maior sendo o menor, eis o desafio.
A utopia do Reino se fazendo pelo universo dos pequenos. A Igreja seguidora dos passos de Jesus é aquela que se faz pobre com os pobres e para os pobres, contra a pobreza. O maior é o menor. Nela, é maior ou mais importante aquele e aquela que se convertem, deixando todas as pretensões sociais do poder e da riqueza, para pertencer a um grupo que ama gratuitamente, é solidário das causas dos empobrecidos e acolhe fraternalmente Jesus na pessoa dos pequenos, fracos e pobres. Igreja pobre como foi toda a vida de nosso bispo Pedro que, evangelicamente escolheu o caminho dos pequenos, se fazendo um com eles até no jeito de ser sepultado. Pedro que soube levar a sério o pedido de Jesus, adotando no seu modo simples de ser e viver estas palavras: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”. Pedro vive em todos aqueles e aquelas que acreditam nas utopias do Reino.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.