Rezei esta manhã acompanhado de uma revoada de araras azuis enormes. O meu quintal ficou povoado delas, em busca de frutas. Este é o período do ano, aqui em Mato Grosso, que elas saem de seus ninhos com os filhotes, ensinado a eles os primeiros vôos. Uma algazarra só. Muito barulho é verdade! Uma verdadeira alegria espontânea em família. Não sei como conseguiram ainda fazer nascerem os seus filhotes, apesar de tanto fogo sobre a mata.
Rezei com os textos da liturgia do dia. No Evangelho de hoje, vemos Jesus dizendo aos seus discípulos, quem é era o maior no Reino de Deus. Segundo ELE, quem se faz pequeno como uma criança, esse é o maior no Reino dos Céus. (Mt 18, 4). Certamente, movidos pela vaidade, devia haver uma disputa entre os seguidores de Jesus para saber qual deles era o maior. O mestre então se aproveita da ocasião, para dizer quem era de fato, o maior no Reino de Deus.
Esta é o tipo de situação que nos ajuda também a entender quem somos nós nas nossas comunidades. Em muitas destas comunidades, há também este tipo de disputa, entre as lideranças, quanto ao grau de importância que cada um dos membros possui. Conheci comunidades em que havia uma verdadeira fogueira de vaidades, com cada uma das pessoas se colocando como as mais importantes frente às demais pessoas. Conheci também aquelas em que o padre, todo poderoso, se achava o maioral, colocando em segundo plano todas as outras pessoas.
Jesus vai direto ao assunto e diz claramente a eles e elas: “se não vos converterdes, e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”. (Mt 18, 3). Estou convencido que se tornar como uma criança é mais do que uma simples decisão pessoal. Segundo a lógica de Jesus, ELE quer que tenhamos o espírito das crianças e sejamos verdadeiros, espontâneos, desprendidos, sem formalidades, mas cheios de simplicidade e fidelidade, que são as características próprias das crianças, que agem mais pela pureza de seus corações, do que com a racionalidade dos adultos.
No dia de hoje a 151 anos atrás, nascia uma das maiores lideranças indianas, Mahatma Gandhi. De família de tradição hindu, atuou bravamente na luta de independência da Índia, contra o colonialismo inglês, empregando a tática da desobediência civil não violenta. Como um grande pacifista, Gandhi levou os indianos se libertarem do julgo dos ingleses, pedindo que estes abandonassem a Índia em 1942. Este grande homem, mas com um coração de criança, lutou o tempo todo por uma Índia independente, baseada no pluralismo religioso, onde todas as religiões pudessem conviver respeitosamente, tendo cada uma delas as suas próprias convicções.
Outro que também teve o coração e espírito de criança foi Francisco de Assis. Nascido de família nobre da Itália (1182-1226), abandonou o luxo e a riqueza, provenientes de sua classe social, para entrar para a vida religiosa de completa pobreza. Foi o fundador da ordem mendicante dos Frades Menores, mais conhecida como Franciscanos. Francisco revolucionou a vida religiosa e também questionou as estruturas da igreja da época, propondo um seguimento radical de vida austera e simples, a exemplo do evangelho, em sintonia com o Projeto de Deus revelado por Jesus de Nazaré. Dedicou sua vida aos mais pobres dos pobres, amando todas as criaturas, chamando-as de irmãos e irmãs. A vida deste homem foi importante, não somente para a igreja em si, mas para toda a humanidade, ao ponto de alguns estudiosos afirmarem que sua visão positiva da natureza e do ser humano, impregnou a imaginação de toda a sociedade de sua época. Tanto que foi uma das forças primeiras que levaram à formação da Filosofia Renascentista.
Num mundo tão marcado por desavenças e desigualdades, talvez devêssemos imbuir-nos deste espírito desarmado e liberássemos a criança interior que existe dentro de cada um de nós. Como caminhantes por esta vida, muitas vezes nos deparamos com decisões, escolhas, caminhos que devemos trilhar e que exige de nós uma decisão a tomar. Quem sabe não seja este o momento de agir com o coração da criança que há em nós? Para finalizar esta reflexão, que tal rezarmos com o poema de Pedro? “Nós, aqui na Terra, vamos mal vivendo, que a cobiça é grande e o amor pequeno. O Amor divino é mui pouco amado e é flor de uma noite o amor humano. Metade do mundo definha de fome e a outra metade de medo da morte. A sábia loucura do santo Evangelho tem poucos alunos que a levem a sério…” (Oração de São Francisco, em forma de desabafo – Pedro Casaldáliga)