Reflexão litúrgica:
Quarta-feira, 11/08/2021
19ª Semana do Tempo Comum
Na Liturgia desta quarta-feira da XIX Semana do Tempo Comum, vemos, na 1a Leitura (Dt 34,1-12), que o mistério que cerca a more e sepultura de Moisés parece ter finalidade bem calara: o povo não deve mitizar ou adorar a figura de seus líderes, mas assumir o processo de sua própria história. Um povo vazio de Deus e que não assume o processo de libertação delega a mitos decisões que nem sempre contemplam a dignidade humana, o bem comum e a solidariedade com os mais fragilizados da sociedade.
Moisés viveu uma profunda intimidade com Deus e permanece o Servo do Senhor, que realiza as obras de Deus, para a salvação de seu povo. Sua morte é uma “morte viva”, início de verdadeira vida. Seu túmulo é desconhecido para que ele fique presente por meio de sua vida, de sua obra, que são garantia de que Deus mantem suas promessas. A vista e o rosto de Moisés permanecem jovens, porque ele viu a Deus, falou com ele. Moisés pôde, assim, abranger com o olhar toda a terra prometida. Deveremos muitas vezes, em momentos culminantes, dar uma vista panorâmica retrospectiva em nossa vida e em nossa terra, para nelas encontrar a obra de Deus. Se a “terra prometida” da vida é sinal do paraíso, a fidelidade de Deus a nós, nem sempre fiéis, é garantia de esperança. Esperança que torna muito mais concreta se formos fiéis ao seu projeto de libertação.
O Evangelho (Mt 18,15-20), nos chama a atenção sobre a maior virtude que é a caridade. Deixar um irmão se perder é se perder junto com ele. A culpa pelo mal não está só em quem o pratica, mas, também, naquele que poderia ter ajudado a evitá-lo. O chamado de Deus sempre corresponde a uma necessidade histórica concreta. A miséria do mundo nunca é desculpa nem motivo de fuga, mas é acusação contra nós. O mal no mundo é uma denúncia contra nós: não fomos tão bons, sal, luz, fermento de transformação.
Importante, para diminuir o mal, ou vencê-lo, é a oração, principalmente em família ou em comunidade: “Uma família ou comunidade que reza, é uma família ou comunidade que se salva”. Jesus, em muitos casos, vê a fé da comunidade, então, cura e salva as pessoas, exemplo é o do paralítico em Cafarnaum (Mt 9,1-8; Mc 2, 1-12 e Lc 5, 17-26). Neste episódio, Jesus diz: “Teus pecados estão perdoados, levanta-te e anda!”.
Jesus nos chama a fazer o bem em todo o tempo. Santo Agostinho nos diz:
“Não se distingam as ações humanas a não ser pela raiz da caridade. Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem!” (Santo Agostinho. Comentário da 1ª Epístola de São João VII, 8).
Ou ainda:
“Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens, e tem esta por máxima a glória de Deus, testemunha de sua consciência” (Santo Agostinho, A cidade de Deus XIV, 28).
Quanto à vivência do amor em sociedade, isto é, quanto ao nosso compromisso social, temos que levar em conta os seguintes aspectos:
a) Deveres de Caridade: Obrigação moral em que não há dever jurídico. Caridade é a virtude teologal que inclina o homem a amar a Deus por si mesmo, e ao próximo por amor de Deus. A Justiça obriga apenas a atos exteriores. A caridade leva o homem a cumprir direitos e deveres com o coração aberto e amigo, excede a Justiça.
“A justiça não seria mais necessária, se, entre os homens, reinasse perfeita amizade” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, Capítulo VIII). “A ‘cidade do homem’ não se move apenas por relações feitas de direitos e deveres, mas antes e, sobretudo, por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo” (CiV, 6).
Quem ama os outros com caridade é, antes de tudo, justo para com eles.
Uma última questão: Se houvesse uma ordem justa, a caridade seria supérflua? Respondemos com Santo Agostinho: “A caridade interior nunca se interrompe! As obras da caridade, porém, se exercem conforme as exigências do tempo” (Comentário da 1ª Epístola de São João, VIII, 3). A justiça não faz nunca o amor supérfluo. Para além da justiça, o homem (ferido no corpo ou na alma) terá sempre necessidade de amor, que é o único capaz de dar sentido à justiça. O mundo espera o testemunho do amor cristão que se inspira na fé. Em nosso mundo, com frequência, tão obscuro, com este amor, brilha a luz de Deus.
b) Ministério da Caridade: Levados pela caridade, os cristãos são também impulsionados pelo Espírito a participar da vida política, para que a própria organização da sociedade seja cada vez mais impregnada de valores evangélicos. Esta participação política, motivada pela fé, pode assumir diferentes formas, desde o interesse pelos problemas sociais, que é compromisso de todo cidadão, até a filiação a partidos e a aceitação de cargos eletivos. Os cristãos poderão, assim, dar a sua contribuição para o aprimoramento da cidadania.
A vivência da tríplice dimensão – escuta da palavra, comunhão fraterna e compromisso com a justiça – alimenta e expressa a espiritualidade ‘batismal’ que configura o cristão com Cristo e o faz viver como filho, irmão e servidor.
“O trabalhador não deve receber a título de esmola aquilo que lhe cabe por direito; não é permitido furtar-se às graves obrigações impostas pela justiça, concedendo méritos a título de misericórdia” (PIO XI. Encíclica Divini Redemptoris).
Vejamos este exemplo: caridade ou promover-se a custo da miséria do outro?
“Não devemos desejar que haja infelizes para que possamos fazer obras de misericórdia. Dás pão a quem tem fome; contudo melhor seria que ninguém tivesse fome e que não precisasses de dar a alguém. Vestes a quem está nu; oxalá todos tivessem roupa para se vestir e não houvesse necessidade dessa obra de misericórdia! Todos estes serviços são exigidos porque há indigência. Suprime os infelizes; não haverá mais ocasião para obras de misericórdia. Extinguir-se-á por isto a chama do amor? Mais autêntico, mais puro, muito mais leal será teu amor por uma pessoa feliz, da qual não podes fazer devedor, pois, quando, com teus dons, empenhas gratidão do infeliz, talvez desejes elevar-te perante ele, talvez desejes que ele esteja abaixo de ti. Deseja, antes, que ele seja teu igual; ambos sede submissos Àquele que não tem que agradecer a ninguém” (AGOSTINHO, Santo. Comentário da 1ª Epístola de são João, VIII, 5).
Devemos distinguir o seguinte: enquanto os que possuem a perfeita caridade buscam realmente a igualdade entre os homens, os que agem por ostentação e orgulho, apesar das aparências, de fato, não desejam esta igualdade, visto que, com a chegada dela, desapareceriam as suas oportunidades de autopromoção. Devemos querer que todos os homens sejam iguais, pois a busca sincera e ativa desta justiça social é uma das mais profundas expressões da verdadeira caridade.
c) Reforma Social: deve começar pela renovação da moral (conversão dos corações), no fundo, o problema social é um problema moral. Quem quer renovar o mundo deve começar por renovar a si mesmo; é preciso cortar o mal pela raiz. O mal está em nós, e é por aí que a reforma deve começar. A Reforma Social deve ter em vista, também, a renovação dos costumes, bem como das instituições (ambiente). “Pessoas novas viverão num mundo novo”.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.