O Natal da fidelidade

Terça-feira (15) da terceira semana do Advento. Estamos a caminho do Natal. Dentro de poucos dias, estaremos celebrando, mais uma vez, a presença do Deus menino no meio de nós. Um Natal diferente! Diferente de todos os outros que já tivemos. Oportunidade única talvez, para vivenciarmos uma realidade diferente, nos aproximando do verdadeiro sentido do Natal. Na simplicidade de uma criança que nasce fora de todos os padrões desejáveis necessários.

Fico imaginando a angústia daquele jovem casal. Maria grávida, prestes a dar a luz e sem ter onde se hospedar, para ter um parto normal decente. O Filho de Deus sem ter onde nascer. “Enquanto estavam em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles dentro da casa”. (Lc 2, 6-7) Lá como cá, não havia lugar para eles na hospedaria, hoje não há lugar para eles nos hospitais, nas creches, nas escolas, nas economias forjadas do capital financeiro, de uma sociedade hipócrita e medíocre. Todavia, desde o primeiro instante de sua vida, Jesus é aquele que se identifica com os pobres.

Então é Natal! Ele veio TER/SER conosco. Não é um Natal qualquer, mas o Natal da pandemia. Oportunidade de identificarmos com este Jesus que se faz um com os mais pobres. Um Natal diferente que nos possibilita fazer uma experiência mais profunda de nós mesmos. De voltarmos para o nosso interior. Entrar dentro de nós para ali, conhecermo-nos um pouco mais, quem somos, de fato, e experimentar a presença de Deus que ali está. Quando permitimos que o Deus da vida entre em nós, nos transformamos. Transformamos a nós e também as nossas relações com os demais. Passo a ser outra pessoa, inundados que somos pelo amor de Deus.

O amor de Deus aceita tudo. Nada disso! Eis aí uma grande falácia. Ao contrário, o amor nos faz mais livres, éticos e transparentes conosco mesmo. “Ama e faz o que quiseres”, já nos dizia Santo Agostinho. Quem ama de verdade, sabe dizer sim, mas sabe também dizer não na hora certa. Quem ama, age com os rigores da ética. Neste sentido, gosto muito da compreensão que o filósofo, escritor, educador Mário Sérgio Cortela tem a este respeito. Diz ele: “Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: (1) quero?; (2) devo?; (3) posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero”. Muito legal!

Natal é a festa maior da cristandade. Festa da família. Este ano, por recomendações dos cientistas, não devemos nos reunir para celebrar em família. Há um risco muito grande de o nosso Natal se transformar numa festa às avessas, por causa do vírus que ainda se encontra invisível entre nós. Quem sabe assim, não tenhamos a oportunidade de celebrar de forma original o nascimento de Jesus, da forma como também aconteceu lá em Belém. Na simplicidade das coisas, Deus quer se fazer presente em nós. Preparemos então o chão de nosso coração, para que ELE possa primeiro nascer ali, para depois nascer nas nossas relações cotidianas, transformando-nos por inteiro.
Deus está presente na vida do povo sofredor, dos pobres e marginalizados. Pelo menos foi assim que Jesus nos mostrou, este Deus identificado com os mais pobres. Hoje, por exemplo, ele nos assegura com todas as letras de que os pobres chegarão primeiro ao REINO: “Eu garanto a vocês, os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do Céu”. (Mt 21, 31) Sempre que vejo esta passagem, me lembro da experiência vivida por um padre amigo meu, na periferia de São Paulo, anos atrás. Já até falei sobre isso aqui. Numa das comunidades com as quais trabalhava, aconteceu uma cena hilária. A equipe de liturgia, escolhendo as pessoas para fazerem as leituras durante a celebração, deu a primeira leitura a uma moça linda, ali presente. Quando se reuniram na sacristia, perceberam que aquela moça era uma garota de programa. Imediatamente a tiraram de cena. Ao término da celebração esta mesma moça procurou o meu amigo e disse para ele: “Padre, não me deixaram fazer a leitura, mas quero que o senhor fique sabendo que, quem fez a leitura no meu lutar, é um cliente meu”. As prostitutas chegarão primeiro ao Reino. Os prostitutos, não!