O Nazareno revolucionário

Iniciamos um sábado (23) de muita chuva pelas bandas do Araguaia. Estamos em plena época delas. Aqui no estado, costumamos dizer que só existem duas estações: inverno e verão. Este é o período do inverno, que vai de outubro a abril. Fora disto é verão, em que o astro rei reina absoluto. Há dias em que há pelos uns três sóis ou soles para cada pessoa. Neste período de agora o Araguaia agradece, pois muita água é também sinal de muito peixe, oportunidade em que o rio vai até os lagos, e traz de volta para o rio os peixes que ali deixara no ano anterior. Esta é a dinâmica deste rio majestoso.

O sábado era um dos dias que aproveitávamos para rezar mais demoradamente na capela da casa de nosso bispo Pedro. E ele ali dando as suas oportunas contribuições. Neste dia também fazíamos uma reflexão mais aprofundada acerca do Evangelho daquele final de semana. Particularmente, Pedro gostava do Evangelho que será proclamado em nossas comunidades no dia de hoje (Mc 3,20-21). No final dele, “os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si”. (Mc 3, 21) Jesus sendo acusado de estar “possuído por um espírito mau.” Tudo porque, segundo a visão de nosso bispo, “Sendo pobre e encarnado entre os pobres, Jesus se torna subversivo. “Ele subverte a ordem estabelecida do poder, da economia, da religião”. Bateu uma saudade de ter Pedro aqui fisicamente conosco!

Jesus, o servo revolucionário de Deus. ELE incomodava até mesmo os seus parentes mais próximos, que não queriam que ELE se envolvesse nas questões estruturais de seu tempo. Era perigoso! Assim como hoje, em que alguns dos nossos, fazem a política da “boa vizinhança”, para não se indisporem com os poderosos de então. Basta ver o que fazem por aí, estas mídias televisivas católicas e evangélicas, que jamais colocam o “dedo na ferida”, na defesa dos mais pobres. São capazes de conviver covardemente com uma estrutura pecaminosa injusta de exploração dos mais pobres, execrados desta sociedade capitalista. Ao contrario destes, temos um Papa que no terceiro dia após a sua eleição disse claramente: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres!” Francisco de Roma é o cara!

O outro de Assis não ficava atrás. Subverteu a ordem vigente da estrutura de sociedade de seu tempo. Mesmo sendo um religioso Claretiano, Pedro tinha profunda admiração pelo pobre de Assis. Sobre ele, escreveu a sua “Oração de São Francisco” transcrevendo para os dias atuais as atitudes revolucionarias do Poverello: “Metade do mundo definha de fome e a outra metade de medo da morte. A sábia loucura do santo Evangelho tem poucos alunos que a levem a sério. Senhora Pobreza, perfeita alegria, andam mais nos livros que nas nossas vidas…” (Pedro Casaldáliga) Parece que foi escrito para os tempos atuais desta loucura de pandemia.

Nesta mesma linha de raciocínio de pobres com os pobres e para os pobres, estamos comemorando neste ano, mais um aniversario do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Em 2021, o MST completará 37 anos, mostrando toda a força da agro ecologia familiar durante a pandemia. Um dos maiores movimentos sociais atuantes no mundo. Mesmo com toda a rejeição por parte de uma mentalidade capitalista do agro-veneno, eles já doaram mais de 3 mil toneladas de alimentos em 2020. Coisas que os senhores do agro nunca fizeram, alem de envenenar tudo a sua volta, inclusive os poucos alimentos que produzem para as nossas mesas. Não é atoa que Pedro tenha identificado no latifúndio “o inimigo do povo, as bases da desgraça hereditária da sociedade brasileira”. Viva o MST!

Sempre tive um carinho muito especial pelo MST. Cheguei até a fazer um estágio por lá pelo período de um ano. Ainda padre novo, quis ir morar com eles e ser um com eles. À época, o provincial não me permitiu fazer tal êxodo. Em nome da “santa obediência”, tive que ficar no meu canto. Todavia, assim que cheguei à Prelazia, descobri um bispo que era corpo e alma MST. Falava do movimento de boca cheia e com brilho nos olhos. Apesar da importância destes trabalhares para a produção de grãos para a mesa dos brasileiros, há ainda um preconceito enorme, inclusive por parte de alguns setores da nossa Igreja, que os vêem como baderneiros invasores de terra. Para estes, deixo a fala de uma das assentadas guerreiras do movimento: “Nós sabemos o que queremos com o campo brasileiro: nós queremos a reforma agrária popular. E como esse programa não se realizou, nós estamos muito firmes na defesa desse projeto. O agronegócio não tem capacidade de fornecer alimentos para a população brasileira, porque o propósito dele não é esse”. (Maria de Jesus Santos Gomes) OCUPAR! RESISTIR! PRODUZIR! Que venha a Reforma Agrária!