O nome de Deus está ligado a um projeto para o homem e a sociedade

Reflexão litúrgica:
Quarta e Quinta-feira, 14-15/07/2021
15ª Semana do Tempo Comum

Na Liturgia de quarta-feira, na 1a Leitura (Ex 3,1-6.9-12) e de quinta-feira (Ex 3,13-20), da XV Semana do Tempo Comum, vemos que Deus se revela no cotidiano da vida e diante de necessidades concretas. No Egito, Deus chama, convoca Moisés para libertar o povo hebreu da escravidão para uma nova vida, para uma terra onde corre leite e mel. Moisés era hebreu e tinha estudado na escola particular do Faraó, tinha consciência dos sofrimentos de seus irmãos, consciência que ardia como a sarça no deserto, no qual ele tinha empenhado fuga, devido à perseguição por ter investido contra um egípcio que estava maltratando seus irmãos:
Quando Moisés era já homem, ia ter com os seus irmãos de raça e começou a dar¬-se conta das terríveis condições em que viviam e trabalhavam. Certa vez viu mesmo um egípcio a bater num dos seus irmãos hebreus! Não se conteve. Olhou dum lado e doutro para se certificar de que ninguém mais lhe via, matou o egípcio e enterrou o corpo na areia para o esconder… O Faraó soube disso e mandou que Moisés fosse preso e executado. Este, contudo fugiu para o deserto” (Ex 2, 11-14).

Deus revela seu nome e seu projeto de libertação
Deus se revela como um Deus de imensa compaixão. O episódio da libertação do Egito, possibilitada somente com a intervenção direta de Deus, revela o grau de compaixão dele. Ele não consegue ficar indiferente “diante da opressão do povo, desce para libertá-lo, Deus conhece os sofrimentos, vê a aflição, ouve o clamor” (Ex 3, 7-12). Para realizar seu intento, procura utilizar todos os meios à sua disposição. Chama Moisés e lhe confere poderes especiais.

Deus, presença libertadora: “Eu os adotarei como meu povo e serei o Deus de vocês, aquele que tira de cima de vocês as cargas do Egito” (Ex 6,7).

O nome de Deus está ligado a um projeto (Catecismo da Igreja Católica, 203-213)
Deus se revela, se auto define aos homens. Não é o homem que cria (define) Deus (como era o caso dos gregos e romanos). “Eu vim ver vocês e como estão tratando vocês aqui no Egito. Eu decidi tirar vocês da opressão egípcia e levá-los para uma terra onde corre leite e mel” (Ex 3,16-17). “O que vou responder? Eu Sou aquele que Sou, este é meu nome” (Ex 3,13-17).

Deus, ao se revelar, mostra sua proposta (projeto) para o homem e para a sociedade. É o projeto que Deus revelou, de maneira especial, por meio dos profetas no Antigo Testamento. Podemos ilustrar este projeto com o exemplo do texto de Isaías: 65, 17-25, que diz:
– haverá novo céu e nova terra;
– não haverá mais choro e clamor;
– não haverá morte prematura;
– construirão casas e nela habitarão;
– plantarão e comerão seus frutos;
– ninguém gerará filhos para viverem na humilhação;
– haverá harmonia entre o homem e a natureza.
Jesus, ao se revelar (em comunhão com o Pai e o Espírito Santo), continua com o mesmo projeto de vida e dignidade para todos. Jesus confirma este projeto quando diz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Esse projeto se concretizará quando atingirmos a mentalidade “crística”. Isto é: “Quando Cristo for tudo em todos” (Cl 3, 11).

Em Mateus, 9,35-38, Jesus estava comprometido com um projeto de libertação integral do ser humano, por isso vai ao encontro dos mais excluídos (povoados, periferias, margem). Lá Ele vê melhor a realidade, isto é, a condição das pessoas: cansadas, abatidas como ovelhas sem pastor (sem rumo, sem horizontes etc).

Então, Ele chama mais pessoas para este projeto. A Igreja, como continuadora de sua missão, tem aqui sua orientação, lugar social para a atuação política. A missão de Jesus e da Igreja é salvar a pessoa na sua totalidade, como nos diz o Papa Francisco: “Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu” (EG, 182). Sua atuação na política é sempre profética, quando seu compromisso é com os empobrecidos, não se atrela aos poderes deste mundo.

Para que esse projeto libertador se concretize na América Latina e no Caribe, “os discípulos e missionários de Cristo devem iluminar com a luz do Evangelho todos os âmbitos da vida social. A opção preferencial pelos pobres, de raiz evangélica, exige atenção pastoral voltada aos construtores da sociedade (EV, 5). Se muitas das estruturas atuais geram pobreza, em parte é devido à falta de fidelidade a compromissos evangélicos de muitos cristãos com especiais responsabilidades políticas, econômicas e culturais” (DA, 501).

Este projeto do Reino de Deus deve continuar na vida da comunidade
– Mt 5,13-16, cada cristão deve ser sal, luz para a sociedade;
– 1Pd 2,9-12): “Vocês são raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus, para resgatar seu projeto”. Uma necessidade, um chamado na história.

Não lutar pela justiça social é profanar o nome de Deus. Com que meios podemos lutar?
O resumo da pessoa amada é o seu nome. Basta ouvir, lembrar ou pronunciar o nome, e este lhe traz à memória tudo o que a pessoa amada significa.

Ser povo de Deus significa ser um povo entre o qual não há opressão como no Egito; em que o irmão não explora o irmão; em que reinam a justiça, o direito e a verdade; em que a lei dos dez mandamentos é observada; em que o amor ao próximo é igual ao amor a Deus; e o povo vive e celebra a sua fé, e louva a Deus pelas suas maravilhas. Esta é a mensagem central da Bíblia; é o apelo que o nome de Deus faz a todos aqueles que querem pertencer ao seu povo.

No Evangelho, quarta-feira (Mt 11,25-27) e quinta-feira (Mt 11,28-30), temos uma das páginas mais intensas e profundas da vida de Jesus, compõe-se de três partes: uma oração, “Eu te louvo, Pai…”, uma declaração sobre ele mesmo, “Tudo me foi dado por meu Pai…” e um convite, “Vinde a mim todos os que estais cansados e fatigados…”.

Quanto às palavras de Jesus elogiando os ‘pequeninos’: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos”, o apóstolo Paulo faz um comentário, na primeira carta aos Coríntios, que retrata muito bem quem são esses ‘pequeninos’ que acolhem o Reino anunciado por Jesus:
“De fato, irmãos, reparai em vós mesmos, os chamados: não há entre vós muitos sábios de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem muitos de família nobre. Mas o que para o mundo é loucura, Deus o escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para envergonhar o que é forte. Deus escolheu o que no mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada, para mostrar a nulidade dos que são alguma coisa. Assim, ninguém poderá gloriar-se diante de Deus” (1Cor 1, 26-29).

Em outro texto, ele continua dizendo que é em nossa fraqueza que Deus revela sua força.
“Todavia, esse tesouro nós o levamos em vasos de barro, para que todos reconheçam que esse incomparável poder pertence a Deus e não é propriedade nossa. Somos atribulados por todos os lados, mas não desanimamos; somos postos em extrema dificuldade, mas não somos vencidos por nenhum obstáculo; somos perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados… É por isso que não perdemos a coragem. Pelo contrário: embora o nosso físico vá se desfazendo, o nosso homem interior vai se renovando a cada dia. Pois a nossa tribulação momentânea é leve, em relação ao peso extraordinário da glória eterna que nos prepara. Não procuramos as coisas visíveis, mas as invisíveis; porque as coisas visíveis duram apenas um momento, enquanto as invisíveis duram para sempre” (2Cor 4,7-9 e 6,8-10).

Podem-se constatar algumas dificuldades dos primeiros cristãos num trecho da carta a Diogneto, um cristão dos anos 190 que escreve a um dos Notáveis de Alexandria, no Egito:
“Os cristãos não se distinguem dos outros homens, nem pelo país onde moram, nem pela língua, nem pela roupa. Eles não habitam cidades próprias, nem se servem de qualquer dialeto extraordinário. Seu modo de vida não tem nada de especial. Não é na imaginação ou nas visões de espírito agitado que sua doutrina tem sua origem; eles não se fazem, como tantos outros, campeões de uma doutrina humana. Eles estão tanto nas cidades gregas como nas cidades não gregas, segundo o destino de cada um; eles seguem os costumes locais quanto à roupa, comida e maneira de viver, manifestando, porém, em tudo, a admirável natureza de sua vida, a qual todos acham extraordinária.
Eles residem cada um em sua pátria, mas como estrangeiros. Eles cumprem todos os seus deveres de cidadãos, mas suportam tudo como estrangeiros. Qualquer terra estranha é pátria para eles, qualquer pátria, terra estranha. Casam-se e procriam, mas nunca lançam fora o que geraram. Têm a mesa em comum, não o leito. Existindo na carne, não vivem segundo a carne. Na terra vivem, participando da cidadania do céu. Obedecem às leis, mas as ultrapassam em sua vida. Amam a todos, sendo por todos perseguidos. Desconhecidos, são assim mesmo condenados. Mas, quando entregues à morte, são vivificados. Na pobreza, enriquecem a muitos. Desprovidos de tudo, sobram-lhes os bens. São desprezados, mas, no meio das desonras, sentem-se glorificados. Difamados, mas justos; ultrajados, mas benditos. Injuriados, prestam honra. Fazendo o bem, são punidos como malfeitores; castigados, rejubilam-se como ganhando nova vida. Os judeus hostilizam-nos como alienígenas, os gregos os perseguem, mas nenhum de seus inimigos pode dizer a causa de seu ódio” (Diogneto, V).

Para concluir esta reflexão, poderíamos afirmar que Jesus vive como reza: agradece, é misericordioso, humilde etc. O termômetro de como vivemos, indica como rezamos. O vertical se projeta no horizontal. A religião para Jesus é a vivência da caridade, é o ajudar as pessoas (habilidades externas mais modo de viver).

A religião para os fariseus (sábios e entendidos) é o apego às vírgulas, às leis, fechados ao Reino. No nascimento de Jesus, ficaram alarmados, juntamente com a corte de Herodes.

‘Pequeninos’, no Evangelho, indica, também, os de brilhante inteligência, mas que são simples, naturais, não complicados, humildes, que colocam o conhecimento a serviço da pessoa e não de esquemas espúrios.

Algumas questões: Que valores a sociedade prega? Quem nós elogiamos e quem depreciamos? Nossa forma de organização social prima por quem: pelo mercado ou pela pessoa humana?

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.