O país do faz de conta

Primeira sexta-feira do mês de setembro. Sextou com as flores do ipê. O tempo vai sendo plasmado no seio do Cosmos. E assim vamo-nos em direção ao futuro de nossa existência. Rumamo-nos ao horizonte de nossas perspectivas utópicas. O passado já não existe mais. O presente está se fazendo e o futuro ainda há de vir. Se bem que para um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros séculos do cristianismo, Santo Agostinho (354-430), “nem o futuro nem o presente existem. Nem se pode dizer que os tempos são três: passado, presente e futuro. Talvez fosse melhor dizer que os tempos são: ‘o presente do passado; o presente do presente; o presente do futuro’.” Faz sentido este raciocínio lógico do bispo de Hipona.

Num silencio ensurdecedor, rezei hoje na companhia de Agostinho, fazendo jus a minha admiração por este grande homem de Deus. Fui apresentado a ele lá pelos idos da filosofia em Campinas/SP, onde tive o meu primeiro contato com a sua vasta obra. Era eu um jovem sonhador, cheio de planos e utopias críveis. “As Confissões”, foi a minha porta de entrada para o universo agostiniano. Li e reli esta sua obra prima. Cada vez mais me via fascinado pelo seu arcabouço filosófico-teológico. Se por um lado, deu muito trabalho à sua mãe (Santa Mônica), de outro, nos brindou com uma mente privilegiada, sábia, fazendo-nos transitar entre a filosofia e a teologia da época, para melhor compreender um pouco sobre Deus.

Dormi sonhando com a farsa jurídica do “Marco Temporal”. Lá fora, os homens que cuidam da lei, seguem tentando encontrar brechas nela, para fazer valer os interesses de alguns, em detrimento do direito maior de outros. Quem sempre foi dono destas terras que hoje habitamos, tendo que provar que estavam por aqui, no dia 5 de outubro de 1988, ano em que foi promulgada a nossa última Constituição Federal. Não bastou constar na Carta Magna, os direitos dos povos originários sobre o chão sagrado de seus territórios (Art. 231). É como se nada disso estivesse valendo alguma coisa. Neste caso não prevalece a velha máxima do latim “Dura lex sed lex”, expressão que traduzida para a língua portuguesa significa “a lei é dura, mas é a lei”. No Brasil, tem lei que “pega” e tem lei que “não pega”.

Vivemos num país do faz de conta. Nem sempre aquilo que está prescrito na lei, significa que será cumprida. Assim, por mais que a “Constituição Cidadã” preconize no seu Art. 5º que “Todos são iguais perante a lei”, no Brasil, alguns dos nossos cidadãos são mais iguais que outros. Para estes mais iguais, a lei funciona, nos fazendo entender que a justiça, no nosso caso, não é cega, mas paga. Assim, quem tem mais poder aquisitivo, se sai melhor diante dela, razão pela qual temos que concordar com Eduardo Galeano quando afirma: “A justiça é como uma serpente, só morde os pés descalços.”

A resistência indígena segue demonstrando a sua força. São 521 anos que vem historicamente lutando para conseguirem ser quem são e viverem como desejam, no lugar que sempre estiveram. Literalmente, de pés descalços, seguem mobilizados, esperançando pela decisão da Suprema Corte. Os discursos são os mais eloquentes possíveis, daqueles e daquelas que são favoráveis ou contra o tal marco temporal. Marco este que pode também ser traduzido pelo “marco da mentira”, onde os interesses mais escusos, se escondem por detrás desta grande farsa. De mentira em mentira, o povo brasileiro vai sendo enganado no país do faz de conta, com a mentira deslavada de que se o “Marco Temporal” não for aprovado, acabará de vez com o agronegócio no país. Bem que esta poderia ser uma verdade.

“Índio tem muita terra”, esta é umas das mentiras alardeadas, que se esconde atras do discurso dos grandes proprietários de terras no Brasil. Mentira esta que passou a fazer parte do linguajar do senso comum, sendo repetida inclusive por algumas pessoas tidas como esclarecidas. Segundo dados do Instituto Sócio Ambiental (ISA), “As terras indígenas (TIs) somam 725 áreas, ocupando uma extensão total de 117.377.553 hectares (1.173.776 km). Assim, 13.8% das terras do país são reservados aos povos indígenas.” Lembrando que, de toda a extensão territorial do Brasil (8.516.000 km²), 21% deste montante, são de áreas reservadas às pastagens bovina dos pecuaristas.

No país do faz de conta, a mentira reina descaradamente absoluta. O filosofo grego Aristóteles (384-322) em seu tempo já nos alertava: “Que vantagem têm os mentirosos? A de não serem acreditados quando dizem a verdade”. Nossos avós tambem já nos diziam que a mentira tem pernas curtas. O que nos faz felizes e esperançosos é saber que Deus abomina a mentira e, por isso, não suporta a presença dos mentirosos. Tanto que, para a tradição bíblica, o inimigo de Deus é descrito como o pai da mentira. Em meio a tanta mentira, rezemos com o salmo 101, 7: “Quem pratica a fraude não habitará no meu santuário; o mentiroso não permanecerá na minha presença.”


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.