Pedro, além de ser o grande defensor dos Direitos Humanos, era também o bispo dos pobres. Viveu franciscanamente pobre entre os pobres. Encarnou em si a opção pelos pobres. Nunca gostou da palavra “preferencial”. Para ele ou a igreja é dos pobres, com os pobres e para os pobres ou não é a verdadeira igreja de Jesus de Nazaré. E essa sua pobreza era expressa em todos os seus escritos, gestos, pensamento e atitudes. Não se permitia titubear quanto a essa sua vivência evangélica, ao lado dos pequenos.
O bispo da prelazia de São Félix do Araguaia, sempre morou na mesma casa. Uma casa tosca, evangelicamente simples, como as pessoas que com ele dividiam o mesmo espaço. Uma casa que sempre foi o ponto de encontro e que acolhia a todos aqueles que chegavam a São Félix. Comiam e bebiam o que todos comiam. Indígenas, peões, posseiros, eram sempre bem vindos ao palácio episcopal de Pedro. Ele pedia a cozinheira Diolice, que sempre fizesse comida a mais, Já pensando naqueles que, por ventura, podiam chegar. Os pratos esmaltados ficavam ali a espera do próximo que viria para matar a sua fome. Pedro deixava de fazer o que estivesse fazendo para acolher com carinho e alegria ao “chegante”.
O palácio de Pedro é diferente de todos os palácios que conheci. Os outros, sempre muito suntuosos e imponentes, mas vazios da presença amorosa do Deus dos pobres. Um distanciamento enorme da realidade experimentada pelos destinatários do Reino de Deus. E se precisar falar com a vossa eminência, tem que ser com dia e hora marcada e olhe lá. Às vezes chego a pensar que nem mesmo o próprio Jesus passa por ali de vez em quando. Mas são “homens de Deus”, seguidores de Jesus. Lembro-me de um dos questionamentos que alguém, certa feita, fez ao dominicano Frei Betto: “Se eles fazem assim com o voto de pobreza, o que não devem fazer com o voto de castidade?”
Quis conversar com vocês sobre este assunto, por causa de uma das justificativas que estão sendo dadas quanto à evangelização feita pelas grandes mídias católicas. Uma evangelização que custa muito caro e por isso, precisa fazer uso da mesma prática “rentista” de fazer dinheiro através das aplicações, de compra e venda de imóveis, fazendas e outros que tais. Coisas que o mercado financeiro o faz muito bem, e agora ganhou também o espaço destas emissoras, que precisam custear a evangelização no concorrido mercado midiático. Seria a velha história de sempre: os fins justificam os meios?
Mas de qual evangelização estamos falando mesmo? Esta evangelização da forma como ela se dá, desperta em nós vários tipos de questionamentos. Teria que ser nos mesmos moldes do capital financeiro? Estes centros de evangelização não poderiam ser no formato popular, em que despertasse nas pessoas um compromisso maior com a construção de outra sociedade possível? Uma evangelização que massifica, e que não questiona este modelo de sociedade desigual que está aí estabelecido? Uma evangelização que domestifica e adestra as pessoas para uma postura piedosa de causa nenhuma? Posso até estar equivocado nesta minha análise simplista, mas é o que sinto e penso. A minha intenção é a de provocar a reflexão das pessoas, quanto a um modelo de evangelização que não leva a libertação das estruturas que nos oprimem.
Pedro nos deu uma grande lição de como a igreja pode e deve ser. Uma igreja comprometida na luta e construção de uma nova sociedade, onde os pobres sejam protagonistas e destinatários da missão libertadora. Uma igreja dos pobres, em que a sua mística e espiritualidade, estejam voltadas para a libertação integral das pessoas. Na verdade, esta igreja começava a existir dentro da sua própria casa e expandia para mais além, abrangendo todas as comunidades que se transformavam em sementeiras de esperança na utopia do Reino. Pessoas comprometidas com as causas de Pedro, que eram também as causas do Reino de Deus. Sinto-me um privilegiado por fazer parte desta história e dedicar uma parte da minha vida pelas causas que se tornaram também as minhas causas.
O palácio de Pedro vai ser “tombado”. Iremos fazer do espaço da sua casa um memorial, onde as pessoas possam ver mais de perto quem foi Pedro e o que ele significa para a caminhada desta igreja. Um legado que não podemos deixar que fique esquecido nos anais da história. O memorial da libertação e da esperança, que terá o propósito de insuflar nas pessoas que por ali passarem os ventos fortes de uma igreja dos pobres, encarnada na história deste povo que acolheu e topou viver, sob a batuta deste homem de Deus.