O poder privilégio

Quarta feira da segunda semana da quaresma. Vamos que vamos caminhando em direção à cruz como referência para as nossas vidas. Não se trata de qualquer cruz, mas a cruz redentora do Crucificado/Ressuscitado. A vida do discipulado de Jesus não tem sentido, sem passar pela experiência concreta da cruz com Ele. O calvário d’Ele se faz caminho de vida nas nossas vidas, enfrentando os desafios que nos são postos no cotidiano. Estar com Ele é passar também pela cruz do enfrentamento, sendo coerentes com a sua mesma experiência pascal. A cruz entra na sua vida como consequência de sua fidelidade e amorosidade ao Projeto de Deus. Passou pela cruz, mas experimentou a Ressurreição como obra salvífica do Pai.

Cruz que faz parte do itinerário do cristão seguidor de Jesus. Cruz como maldição, que segue matando os filhos de Deus como o indígena, Vitor Bráz Pataxó, de 21 anos, que foi brutalmente assassinado na madrugada desta última segunda-feira (14) com dois tiros, no bairro de Ponta Grande, em Porto Seguro, litoral Sul da Bahia. Tudo porque o jovem rapaz, fora pedir aos participantes de uma festa, que abaixassem o som, próximo da sua aldeia. Lembrando que a região onde está localizada a aldeia dos Pataxó, é alvo de disputa entre os indígenas e posseiros há vários anos. Vitor Braz era uma liderança estudantil indígena. Nunca se matou tantas lideranças indígenas como nestes últimos anos aqui no Brasil. O movimento indígena está de luto na luta por justiça.

Uma quarta feira significativa que nos faz refletir sobre uma temática importante: a questão do “poder”. O poder que faz parte da nossa vida como um todo. Poder que na compreensão do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), “é uma força natural que impulsiona a vida, e é a vontade de poder, não no sentido político, de simples dominação, mas num sentido ontológico, de querer viver, que faz com que todo o Universo movimente-se”. É o poder que nos movimenta em direção ao nosso existir como força vital. Todavia, não é deste poder que somos impelidos e desafiados a refletir no dia de hoje.

A liturgia que nos é proposta para o dia de hoje nos coloca a caminho de Jerusalém. Jesus está decidido a fazer o enfrentamento do conflito que ali se desencadeará. Ele está a caminho de sua Paixão, Morte e Ressurreição. A força do poder opressor e da morte está presente em Jerusalém: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste! (Lc 13,34) Jesus sabe e anuncia aos seus, que o seu destino será selado pelas forças que logo ali à sua frente se encontram. Não há como desviar desta rota, pois se assim o fizesse estaria sendo incoerente na sua fidelidade até as últimas consequências.

Jesus está ciente do que vai lhe ocorrer lá em Jerusalém, mas os seus seguidores, não. No meio da caminho a mãe de dois deles pede que, quando chegar na glória do Pai, seus filhos se assentem um a direita e outro a esquerda do Mestre. Pior atitude tiveram os demais seguidores que ficaram irados com os dois “privilegiados”, pois também eles queriam tal lugar de destaque. Não entenderam nada, mesmo tendo caminhado com Jesus aqueles anos todos. Eles ambicionavam o poder com honrarias e privilégios, suscitando discórdia e competição entre os outros discípulos. Ao que Jesus lhes mostra que a única coisa importante para o discipulado é seguir o exemplo dele: “servir e não ser servido”. Ou seja, na nova perspectiva de sociedade que Jesus projeta, a autoridade não é exercício de poder com privilégios e honrarias, mas a predisposição para o serviço que se exprime na entrega de si mesmo objetivando o bem comum de todos e todas.

O desejo, a ânsia e as tentações do poder habitam dentro de cada um de nós. Todos nós trazemos, dormitando em nosso interior, os anseios do poder como dominação, prestígio e privilégios. É como se fosse algo inato em nós. Entretanto, cabe a cada um de nós, não cedermos à tentação de viver a vida na busca frenética por privilégios, sejam eles de que ordem for. Devemos ser regidos pela lógica do amor que entende o poder como o dom de servir sempre. Como nos dizia psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961): “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro”.

Jesus cita o exemplo dos governantes das nações e alerta aos seus seguidores: “Entre vocês não deve ser assim”. O seguidor d’Ele precisa estar preparado sempre para servir. O poder é serviço às mesmas causas de Jesus. Amar como Ele amou e servir como Ele serviu. Isto nos faz questionar também a estrutura hierárquica piramidal de nossa Igreja, de pessoas ávidas de serem servidas pelos bajuladores, que também não entenderam a proposta que Jesus faz aos seus seguidores: “Quem quiser tornar-se grande, torne-se vosso servidor; quem quiser ser o primeiro, seja vosso servo. (Mt 20,26-27). O cantor e compositor jamaicano Bob Marley (1945-1981), foi no cerne da questão ao resumir: “Há pessoas que amam o poder, e outras que tem o poder de amar.” De que lado estamos nós afinal?


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.