Reflexão: Liturgia do III Domingo da Quaresma,
Ano C – 20/03/2022
Na Liturgia deste Domingo, III da Quaresma, vemos, na 1a Leitura (Ex 3, 1-8ª. 13-15), que Deus se revela no cotidiano da vida e diante de necessidades concretas. No Egito, Deus chama, convoca Moisés para libertar o povo hebreu da escravidão para uma nova vida, para uma terra onde corre leite e mel. Moisés era hebreu e tinha estudado na escola particular do Faraó, tinha consciência dos sofrimentos de seus irmãos, consciência que ardia como a sarça no deserto, no qual ele tinha empenhado fuga, devido à perseguição por ter investido contra um egípcio que estava maltratando seus irmãos: “Quando Moisés era já homem, ia ter com os seus irmãos de raça e começou a dar-se conta das terríveis condições em que viviam e trabalhavam. Certa vez viu mesmo um egípcio a bater num dos seus irmãos hebreus! Não se conteve. Olhou dum lado e doutro para se certificar de que ninguém mais lhe via, matou o egípcio e enterrou o corpo na areia para o esconder… O Faraó soube disso e mandou que Moisés fosse preso e executado. Este, contudo fugiu para o deserto” (Ex 2, 11-14).
Deus revela seu nome e seu projeto de libertação
Deus se revela como um Deus de imensa compaixão. O episódio da libertação do Egito, possibilitada somente com a intervenção direta de Deus, revela o grau de compaixão dele. Ele não consegue ficar indiferente “diante da opressão do povo, desce para libertá-lo, Deus conhece os sofrimentos, vê a aflição, ouve o clamor” (Ex 3, 7-12). Para realizar seu intento, procura utilizar todos os meios à sua disposição. Chama Moisés e lhe confere poderes especiais.
Deus, presença libertadora: “Eu os adotarei como meu povo e serei o Deus de vocês, aquele que tira de cima de vocês as cargas do Egito” (Ex 6,7).
O nome de Deus está ligado a um projeto (CIC 203-213)
Deus se revela, se auto define aos homens. Não é o homem que cria (define) Deus (como era o caso dos gregos e romanos). “Eu vim ver vocês e como estão tratando vocês aqui no Egito. Eu decidi tirar vocês da opressão egípcia e levá-los para uma terra onde corre leite e mel” (Ex 3,16-17). “O que vou responder? Eu Sou aquele que Sou, este é meu nome” (Ex 3,13-17).
Deus, ao se revelar, mostra sua proposta (projeto) para o homem e para a sociedade.
É o projeto que Deus revelou, de maneira especial, por meio dos profetas no Antigo Testamento. Podemos ilustrar este projeto com o exemplo do texto de Isaías: 65, 17-25, que diz:
– haverá novo céu e nova terra;
– não haverá mais choro e clamor;
– não haverá morte prematura;
– construirão casas e nela habitarão;
– plantarão e comerão seus frutos;
– ninguém gerará filhos para viverem na humilhação;
– haverá harmonia entre o homem e a natureza.
Jesus, ao se revelar (em comunhão com o Pai e o Espírito Santo), continua com o mesmo projeto de vida e dignidade para todos. Jesus confirma este projeto quando diz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Esse projeto se concretizará quando atingirmos a mentalidade “crística”. Isto é: “Quando Cristo for tudo em todos” (Cl 3, 11).
Em Mateus, 9,35-38, Jesus estava comprometido com um projeto de libertação integral do ser humano, por isso vai ao encontro dos mais excluídos (povoados, periferias, margem). Lá Ele vê melhor a realidade, isto é, a condição das pessoas: cansadas, abatidas como ovelhas sem pastor (sem rumo, sem horizontes etc).
Então, Ele chama mais pessoas para este projeto. A Igreja, como continuadora de sua missão, tem aqui sua orientação, lugar social para a atuação política. A missão de Jesus e da Igreja é salvar a pessoa na sua totalidade, como nos diz o Papa Francisco: “Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu” (EG, 182). Sua atuação na política é sempre profética, quando seu compromisso é com os empobrecidos, não se atrela aos poderes deste mundo.
Para que esse projeto libertador se concretize na América Latina e no Caribe,
“os discípulos e missionários de Cristo devem iluminar com a luz do Evangelho todos os âmbitos da vida social. A opção preferencial pelos pobres, de raiz evangélica, exige atenção pastoral voltada aos construtores da sociedade (EV, 5). Se muitas das estruturas atuais geram pobreza, em parte é devido à falta de fidelidade a compromissos evangélicos de muitos cristãos com especiais responsabilidades políticas, econômicas e culturais” (DA, 501).
Este projeto do Reino de Deus deve continuar na vida da comunidade: (Mt 5,13-16 e 1Pd 2,9-12) “Vocês são raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus, para resgatar seu projeto”. Uma necessidade, um chamado na história.
Não lutar pela justiça social é profanar o nome de Deus. Com que meios podemos lutar?
O resumo da pessoa amada é o seu nome. Basta ouvir, lembrar ou pronunciar o nome, e este lhe traz à memória tudo o que a pessoa amada significa.
Ser povo de Deus significa ser um povo entre o qual não há opressão como no Egito; em que o irmão não explora o irmão; em que reinam a justiça, o direito e a verdade: em que a lei dos dez mandamentos é observada; em que o amor ao próximo é igual ao amor a Deus; e o povo vive e celebra a sua fé, e louva a Deus pelas suas maravilhas. Esta é a mensagem central da Bíblia; é o apelo que o nome de Deus faz a todos aqueles que querem pertencer ao seu povo.
2ª Leitura (1Cor 10, 1-6.10.12), o Apóstolo Paulo faz uma advertência contra a falsa segurança religiosa, dizendo que todos recebem cuidados especiais de Deus, mas nem todos assumem o compromisso de comunhão com Ele, gerando gestos de partilha e amor com os irmãos, por isso “muitos foram sepultados no deserto e não entraram na terra prometida”.
No Evangelho (Lc 13, 1-9), vemos que Jesus está atento aos problemas da realidade e faz uma indagação: Os sofrimentos, as tragédias, são castigos de Deus ou resultado das estruturas injustas da sociedade? Ele nos diz que o sistema que fez tais vítimas, e que o povo estava comentando, também poderá fazer novas vítimas, que poderá ser um de nós, um de nossos filhos ou alguém do futuro. Portanto, o pecado não é ato isolado, não são só os outros que precisam se converter, mas cada um de nós: “Se vocês não se converterem, não mudarem o modo de pensar e agir, vão perecer todos do mesmo modo”.
Para ilustrar a necessidade de conversão, Jesus menciona a figueira estéril. Nela, Deus nos dá uma nova chance para produzir frutos abundantes, dizendo que investirá em nós, ainda, por certo tempo e com os devidos cuidados. “É pelos frutos que se conhece a árvore”. Resta saber se o tempo já não está se esgotando.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.