Trigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum. Este domingo nos abre as portas da última semana do Tempo Comum. Neste ano de 2023 estamos finalizado o Ano Litúrgico A, dedicado à reflexão do Evangelho de Mateus. O Ano A, foi iniciado no primeiro domingo do Advento no dia 27 de novembro, e se encerra no último sábado do Tempo Comum, dia 02 de dezembro. Neste período fazendo referência à caminhada da Igreja no seguimento a Jesus Cristo, o Tempo Comum alimenta essa caminhada a partir dos sacramentos. A cor litúrgica é verde e, neste período, promove-se uma espiritualidade de escuta da Palavra de Deus.
A Solenidade de hoje é a de Cristo Rei, mas para os que acompanhamos a caminhada dos Povos Indígenas, ainda ressoa em nós o que aconteceu no dia de ontem, há 40 anos: o assassinato cruel de Marçal de Souza Tupã’i, liderança guarani e kaiowá, em sua casa, na aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), com cinco tiros, ocorrido no ano de 1983, aos 63 anos de idade. Marçal foi uma das mais importantes vozes de resistência, na defesa dos Povos Indígenas, discursando inclusive, em 1980, em Manaus (AM) e fazendo chegar ao Papa São João Paulo II, a denúncia da dura realidade não só de seu povo, mas de todos os povos indígenas do Brasil. Este foi um dos momentos mais marcantes da causa indígena, ecoando em todo mundo.
Sensível à causa indígena no Brasil, o Papa Francisco escreveu uma carta em resposta a uma manifestação entregue a ele em maio deste ano. Esta carta, destinada à Aty Guasu, foi entregue simbolicamente pelo bispo de Dourados, Dom Henrique Aparecido de Lima, à Assembleia Geral dos Kaiowá e Guarani, no tekoha Kunumi Vera, em Caarapó, nesta última sexta-feira (24). O Brasil está entre os países do mundo em que mais se persegue e mata lideranças indígenas e ambientalistas. Quarenta anos se passaram e ainda hoje, nenhum dos envolvidos na morte de Maçal, foram condenados, até porque, os artífices da ditadura militar, estão entre aqueles envolvidos na morte deste indígena.
A causa indígena é a causa de todos nós, uma vez que, somos descendentes diretos destes povos, mais do que do sangue branco europeu, que veio nos invadir, saquear e matar, a título de “Descobrimento”. Nossos ancestrais são indígenas e quilombolas. Alguém já disse com muita convicção: “No Brasil, todo mundo tem sangue indígena: uns nas mãos, outros nas veias e outros na alma”. Lutar pela causa indígena é lutar pela sobrevivência de todos nós, pois eles são os únicos que defendem a terra da volúpia e da ganância dos que a veem apenas como fonte de capital e de exploração.
Lutar pela terra! Lutar pela natureza! Lutar pelo meio ambiente. Lutar pelos pobres, marginalizados, vulnerabilizados e invisibilizados, como o Evangelho de hoje nos exorta, como seguidores e seguidoras deste Jesus. Na Festa de Cristo Rei, somos convocados por Jesus a levar adiante o Evangelho do poder-serviço, num compromisso de fé com a causa dos pequenos: “Em verdade eu vos digo que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40) A missão de Jesus está identificada com os pequenos, pobres e indefesos. Seu reinado é o do poder que se faz serviço aos anawins. Uma palavra hebraica, que significa “os pobres de Javé”, ou seja, os pobres de Deus. Pobres são aqueles desprovidos de bens materiais, que experimentam a dor, o sofrimento e a injustiça, por causa da sua condição de pequenez, fragilidade e dependência, explorados pelas estruturas opressoras e de morte.
O texto do Evangelho de hoje faz parte da literatura escatológica que, através de uma visão apocalíptica, mostra-nos como será o julgamento de Deus no final dos tempos. É uma das poucas vezes, em que o Novo Testamento descreve qual será o conteúdo do “juízo final”. Nesta visão, seremos julgados pela adesão de fé que tivemos ou não à Jesus. Fé comprometida com as mesmas causas d’Ele, e a sua pessoa concreta, presente nos mais pobres. Por isso, o julgamento será sobre a realização ou não de uma prática de amor e justiça em favor da libertação dos pobres e oprimidos. Esta é a prática central da fé, como ponto central de toda a atividade de Jesus: “devemos cumprir toda a justiça”. (Mt 3,15) Realizar plenamente a vontade de Deus e seu Projeto Salvador.
Não seremos cobrados pelas missas que “assistimos”, pelas comunhões que fizemos, pelas vezes que frequentamos os espaços das igrejas, orando, louvando, cumprindo preceitos morais religiosos. Embora isto seja significativo para alguns, não é o mais importante. Seremos cobrados por aquilo que fizemos ou deixamos de fazer de concreto na vivência da fé comprometida com as causas dos pequenos: “eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar”. (Mt 25,35-36) Não são as palavras bonitas e de impacto ditas nos púlpitos das igrejas, nem as vestes suntuosas e desproporcionais de alguns padres e bispos, mas o seu compromisso com a vida dos pequenos que vai contar no julgamento final. Como diria nosso bispo Pedro, “os pobres nos evangelizam”. Serão eles o critério principal de nossa salvação, ou perdição: “estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”. (Mt 25,46)
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.