O Reino e as crianças

Terça feira da Sétima Semana do Tempo Comum. Entramos na última semana do mês mais curto do ano, sendo que a cada quatro anos, para ajustar o ano civil com o ano solar, lhe é acrescentado mais um dia (ano bissexto). Sem este ajuste o calendário ficaria defasado com o passar dos anos, alterando alguns eventos, como as estações do ano, por exemplo. É sabido que a vida de alguns brasileiros só recomeça a partir de amanhã, quando finda o carnaval. Que venha então 2023!

O dia de ontem, 20 de fevereiro é sempre lembrado como o Dia Mundial da Justiça Social. Uma data definida pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2007, propondo assim uma reflexão sobre o enfrentamento da pobreza, da discriminação, do desemprego e de qualquer outra forma de exclusão ou marginalização. Certamente, esta data só interessa aos países pobres, já que os mais ricos estão pouco se lixando com a desigualdade em si. Eles vivem da pobreza dos demais.

Vivemos num país onde impera a desigualdade social. O fosso que separa as classes sociais no Brasil é abissal. De um lado os “ricos cada vez mais ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres”, como atestou a Conferência Episcopal Latino americana de Puebla (1979). Uma situação que já se naturalizou e, para alguns, Deus assim o quis. Só não sei de qual Deus estão falando, se o Deus de Jesus de Nazaré ou o deus “Moloque”, um deus Cananeu, cultuado pelos Amonitas, com o uso, inclusive do sacrifício de crianças em nome deste ídolo pagão.

O nosso Deus é o Deus do Nazareno: “Eu e o Pai somos um”. (Jo 10,30) O Deus da vida plena pata todos. Um Deus que não compactua com a injustiça ou qualquer forma de desigualdade. Para Ele, somos todos iguais, não importa o que a gente tem. Importa o que a gente é: filhos e filhas do mesmo Pai. (Gn 42,11) O sonho de Deus é que vivamos intensamente a plenitude da vida com as condições necessárias para a realização de todos os sonhos possíveis.

Um Deus que veio estar no meio dos pequenos. Fez-se Um com eles. Um Deus que tem lado definido: o lado dos empobrecidos. É assim que Jesus o faz, estando mais uma vez atravessando a Galileia, como a liturgia mesmo nos mostra no dia de hoje, por intermédio do evangelista São Marcos. A Galileia que é uma região especial para Jesus. Galileia é o nome da região norte da Palestina, um local que aparece com bastante relevância no Novo Testamento. Foi nesta região, por exemplo, que Jesus desenvolveu boa parte do seu ministério messiânico. É neste contexto sócio-histórico que o texto do Evangelho de hoje nos fala, que Jesus estava ensinando os seus discípulos. O Mestre falando acerca do futuro que o esperava.

“O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão, mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”. (Mc 9,31) Todavia, enquanto Jesus assim relatava sobre si, os discípulos disputavam entre eles, qual deles seria o maior no Reino proposto por Jesus. Numa clara e evidente demonstração de que não haviam entendido nada dos ensinamentos de Jesus até então. Ou seja, Os discípulos não compreendem as consequências que a ação de Jesus vai provocar, pois ainda concebem uma sociedade marginal, onde existem diferenças de grandeza. Quem é o maior? Jesus mostra que a grandeza da nova sociedade não se baseia na riqueza e no poder, mas no serviço sem pretensões e interesses.

A disputa entre os discipulos não faz nenhum sentido. A pedagogia de Jesusm sim! Quem é o maior no Reino de Deus? Jesus responde esta pergunta de maneira bastante direta e objetiva: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos! Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: Quem acolher em meu nome uma dessas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas aquele que me enviou”. (Mc 9,35-37) Na compreensão de Jesus, o Reino é daqueles e daquelas que são capazes de colocar sua vida à serviço dos demais. Servidor e servidora das causas do Reino.

O Reino e as crianças. Ao colocar as crianças como protagonistas primeiras do Reino, Jesus quer nos mostrar que devemos ser como elas: simples, puras, “inocentes” e desapegadas. Desprovidos de todos os interesses pessoais que satisfaçam os nossos desejos de superioridade sobre as demais pessoas. O fato de querer ser superior já é um sinal inequívoco de não querer ser e fazer-se como os demais. Como me disse certa feita um padre: “se eu não usar o clérgima, como as pessoas vão saber que sou um padre?” Como se Jesus usasse a “roupa de Messias” para que as pessoas soubessem quem Ele era. Os discípulos não entenderam a proposta de Jesus. Os “discípulos” de hoje também mostram que não entenderam a proposta do Reino trazida por Jesus. O carreirismo, a sede de poder na Igreja, aliado ao clericalismo estão ai para comprovar tal desentendimento. Sejamos nós os acolhedores de Jesus e de Deus nas crianças que temos no meio de nós! O que foge a isso é puro farisaísmo. “Deixai vir a mim as crianças porque delas é o Reino do céu!” (Mt 19,14)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.