O Servo e o Senhor

Sábado da Quinta Semana da Páscoa. Páscoa do Senhor Ressuscitado. Ele vive no meio de nós. Fez-se um de nós e é gente como a gente, caminhando de mãos dadas conosco. O seu martírio na cruz, em consequência de sua fidelidade ao projeto do Pai, rendeu-lhe a vitória da vida sobre a morte. Aqueles que o assassinaram não imaginavam que desceria da cruz pelas mãos de seu Pai, e ganharia vida nova para si e para todos os seus seguidores. Jesus descido da cruz é o Cristo Ressuscitado que nos interpela para que também nós, desçamos da cruz os crucificados da história.

Sábado, Dia 13 de maio. Uma data histórica, registrada nos anais da história. Registro este feito pela ótica do “vencedor” que tem este dia como glória para os negros escravizados: “Dia da Abolição da Escravidão”, graças a uma lei assinada pela Princesa Isabel. Uma farsa histórica, pois esta mesma senhora era uma pessoa que pertencia a aristocracia portuguesa (filha do imperador Dom Pedro II), também dona de escravos. Seus escravos nem rosto possuíam, pois, segundo os documentos da época, eram registrados como “negrinha”, “escravo de quarto”, “pretos”.

Uma mulher branca, que fazia parte da Corte Portuguesa e, sequer participou da luta, uma vez que não tinha nenhum envolvimento com a causa contra a escravidão. Havia à época todo um processo de resistência, marcado pela luta de ativistas negros e brancos abolicionistas. Abolição esta que ocorreu apenas de forma “oficial”, já que a escravidão nunca deixou de existir, perpetuando uma herança colonial de um racismo estrutural e institucionalizado. Sem falar que o Brasil foi o último país do mundo a “acabar” com o sistema escravagista, cinquenta anos depois que os demais países tomaram esta decisão, ainda assim pressionado pela Inglaterra com a sua Revolução Industrial, iniciada em 1750.

Da noite para o dia, os negros escravizados perderam sua “sustentabilidade”, ainda que precária, sem ter onde dormir, o que comer e sem poder retornar às suas origens ancestrais e geográficas, uma vez que não foram indenizados pelos seguidos anos de trabalhos forçados. Foram 388 anos de uma economia ligada ao trabalho escravo, marcada pela extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café. Muitas famílias de fazendeiros se beneficiaram com esta economia, tornando o Brasil um dos maiores concentradores de terras e riquezas, apesar de sua população ser constituída de 54% de negros.

Servidão cruel e desumana forçada, servidão voluntária pelas causas do Reino. Hoje a temática a qual somos chamados a refletir é sobre a função fundamental do servo que segue Jesus de Nazaré. O texto proposto é ainda do evangelista João, onde Jesus alerta aos que o seguem com fidelidade: “O servo não é maior que seu senhor”. (Jo 15,20). Uma advertência para todos aqueles e aquelas que fazem a sua adesão por seguir os passos de Jesus. Ser servo nesta perspectiva é anunciar o Senhor. O protagonismo é d’Ele. A função do servo com Ele, é servir, como Lucas assim o define: “Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer” (Lc 17,10)

Servo é aquele que serve ao invés de ser servido. Ter a dedicação e a humildade suficiente para se colocar ao serviço dos que mais necessitam. Estar pronto para servir e anunciar o Mestre é estar preparado para ser perseguido. Quem assume as dores e o sofrimento dos mais pobres sabe que encontrará resistência e será perseguido por aqueles que orquestram o sistema de poder que organiza a sociedade e seus adeptos (o mundo) reagindo com o ódio, pois não aceitam os valores do Evangelho. Se bem que Jesus não enganou nenhum dos seus seguidores: “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós”. (Jo 15,20)

“Em um país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça”. Esta foi uma das falas proféticas de Santo Oscar Romero. Aos que seguem à Jesus como servo fiel, sabem que, como Ele, serão perseguidos. O contrário disto é fazer o jogo do sistema e não partir para o enfrentamento, como tem acontecido com frequência com alguns de nossa Igreja, em que padres, bispos e leigos se vendem à lógica do mercado. Servos de si mesmos ou de seus interesses. Neste sentido, não existe possibilidade de conciliação entre o “mundo” e a proposta de Jesus. A tendência do confronto é crescer, uma vez que “os donos do mundo” não aceitam o Deus libertador de Jesus, que denuncia a perversidade da sociedade injusta, na busca pela libertação do povo oprimido.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.