O sim e o não

Uma das grandes aprendizagens que tive, assim que passei a conviver com os povos indígenas, foi a forma como eles usam o SIM e o NÃO. Eles são extremamente sinceros no uso, tanto do sim, como do não. Quem não está acostumado a lidar com tamanha sinceridade, assusta um pouco. Mas é desta forma que eles se manifestam e esperam que o nosso sim e não, sejam também VERDADEIROS e SINCEROS. Eles não entendem a expressão “mais ou menos”, que nós comumente, utilizamos em nossos diálogos.

Estamos vivendo um tempo diferente, que estamos nos surpreendendo a cada dia. Eu, particularmente, tenho me surpreendido cada vez mais com as coisas que estou vendo acontecer em nosso meio, em nossa sociedade. Pensávamos que conhecíamos o nosso povo, seu jeito de ser e viver nesta sociedade brasileira. Aquela ideia do BRASILEIRO como um ser CORDIAL, receptivo e extremamente DADO, parece que não corresponde a realidade cotidiana. Esta pandemia tem revelado outra face deste brasileiro que somos. Esta revelação que a cada dia nos é dada, nos trás profunda tristeza e desencanto. Definitivamente, não somos aquilo que parecíamos ser.

Um dos aspectos que gostaria de chamar a atenção, é sobre uma reunião virtual que estava sendo realizada nesta quarta-feira (10/06), em Florianópolis. Reunião esta que discutia estratégias de COMBATE ao RACISMO, com mais de 70 convidados, a maioria mulheres, que foi interrompida por imagens de cabeças sendo cortadas, um homem se masturbando, pedidos de MORTE a MULHERES e a figura de uma SUÁSTICA. Impressionou-me não somente a invasão em si, mas a forma como esta invasão se deu e o propósito de imagens absurdas como pano de fundo.

A segunda imagem que me chamou bastante atenção foi a da homenagem feita às pessoas mortas, numa das praias do Rio de Janeiro. De repente, uma pessoa, entra no meio da manifestação e começa a ARRANCAR AS CRUZES colocadas em frente às covas, simbolizando as centenas de mortes ocorridas ali. Um determinado pai revoltado, que perdera o seu filho de 25 anos para a Covid-19, se dispõe a recolocar as cruzes de volta, no seu devido lugar, fazendo alguns desabafos.

Estamos convivendo com SENTIMENTOS ESTRANHOS manifestados pelas pessoas. Algumas destas pessoas passaram a transparecer sentimentos estranhos, que não imaginavam que existissem dentro destas pessoas. Numa terrível falta de EMPATIA com a dor alheia, demonstrando também uma falta flagrante de SOLIDARIEDADE e HUMANIDADE. Além de manifestar estes sentimentos ruins para qualquer ser humano, demonstram também não saber, e não ACEITAR o DIFERENTE, a forma de PENSAR e AGIR do OUTRO. Como se não vivêssemos num ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, em que as pessoas têm o pleno direito de manifestar seu pensamento e a sua indignação frente a uma realidade que poderia ser bem diferente, caso houvesse empenho governamental.

É impressionante como algumas pessoas não aceitam o diferente e o jeito de ser e pensar das outras pessoas. Ou se pensa como eles, ou são adversários a serem combatidos, aniquilados. Tenho sentido isto na própria pele, onde sou taxado frequentemente de PETRALHA COMUNISTA, só pelo fato de manifestar o meu pensamento e este pensamento diferir do pensamento de destas pessoas. Esta semana chegou-se ao ponto de ser metralhado por um determinado padre, diante de um dos textos meus, quando me classificou de: anticristo, demoníaco e herege.

É um desafio que nos é colocado, conviver com realidades semelhantes a estas e ficar calado. Todavia, assim como os povos indígenas, devemos sempre reafirmar o nosso compromisso, de ser aquilo que somos, de fato, na nossa forma de pensar o contraditório. E que o nosso sim seja um sim verdadeiro quando for sim, da mesma forma o seu contrário. O próprio Jesus nos alerta quanto a esse nosso sim cotidiano. O texto do evangelho de hoje num dos seus versículos diz assim: “ Que o vosso ‘sim’: seja ‘sim’, e o vosso ‘não’: ‘não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno”.(Mt 5, 37)