Acompanhamos atônitos a construção de um grande santuário no Brasil. É uma obra faraônica. Um templo que tem a pretensão de ser o maior do mundo, com capacidade para receber cerca de 300 mil pessoas. A obra toda está orçada em R$ 1,4 bilhão, de uma construção que está apenas nos alicerces. Somente um dos sinos custará a bagatela de R$ 6 milhões. Foi produzido em Varsóvia, na Polônia, com as dimensões de 4 metros de altura e 4,5 metros de diâmetro, pesando 55 toneladas. Levou cerca de cinco anos para ficar pronto. Por enquanto, encontra-se retido no Porto de Santos.
A suntuosidade desta obra gigantesca destoa da realidade daqueles e daquelas que estão contribuindo para a sua edificação. São homens e mulheres pobres que, mês a mês, fazem religiosamente as suas contribuições/doações à entidade que administra tal recurso. Lembrando que algumas destas pessoas fazem o mesmo que é descrito numa das narrativas do evangelista Lucas, que Jesus fica indignado, pois se trata do óbolo da viúva. (Lc 21, 1-4) Ou seja, estão dando do pouco que ainda lhes restam.
Na realidade, Jesus está no famoso Templo de Jerusalém, mais precisamente diante do tesouro do templo e se depara com os escribas e doutores da lei, manipulando a boa fé dos pobres, exigindo a sua parca contribuição para serem aceitos naquele espaço de oração. Lá como cá, são os mais pobres aqueles que mais contribuem, numa atitude de fervorosa devoção ao imponente santuário, acreditando ser esta a vontade de Deus, numa ideia de que estão dando ao próprio Deus.
Diante deste quadro, uma pergunta nos salta aos olhos: quantas famílias destes de fieis do templo cabem num sino sofisticado e de valor tão alto? Tendo em vista uma pandemia, ocasionando varias crises entre nós, dentre elas a perda de emprego, renda e salários, como nos comportar diante de tamanha afronta de um templo pensado para ser espaço de “evangelização”? Neste sentido, há uma grande discrepância entre aquilo que Jesus pensou, ao chamar e enviar os seus em missão, e a proposta de evangelização a partir de um grande centro da fé. Passa-nos a ideia de que o mais importante não são as “Galileias” dos despossuídos e abandonados, mas as “Jerusaléns” com os seus templos ornados em outro e seus tesouros abarrotados do sangue/dinheiro dos pobres.
Definitivamente a nossa igreja não nasceu nos suntuosos palácios. Mas ali onde o Filho do Homem não teve nem lugar onde reclinar a sua cabeça (Mt 8, 20). Ela surge no meio dos pobres, com as experiências das primeiras comunidades primitivas. Lá, as pessoas se reuniam para celebrar a sua fé e a caminhada de cada dia. Tudo era feito em comum. O maior dentre eles, era justamente aquele que se colocava ao serviço de todos. Ninguém era superior a ninguém. Aqueles que quisessem fazer a experiência da caminhada de fé tinham que ser o servidor de todos. Sem riquezas e sem acúmulo dos bens, tudo era de todos. Celebravam nas casas e todos conheciam a situação de cada um deles, pois tudo, inclusive os problemas, eram partilhados entre eles.
Como apostar numa proposta de evangelização que massifica e despersonaliza? Como pensar ser esta a igreja de Jesus, se não toca nos reais problemas vividos por aqueles que os frequentam? Uma evangelização que não convoca ao compromisso de viver a fé na comunidade, assumindo as lutas cotidianas, pela libertação de todas as formas de opressão? Tenho dificuldade de entender como pode perdurar este tipo de evangelização, num país de pessoas tão pobres e massacradas pelos poderes públicos. As celebrações, cheias de entusiasmos, cores e ritos, mas vazias da presença do verdadeiro Deus, desprovidas de sentido e comprometimento com a realidade da vida daqueles e daquelas que ali frequentam. Não diferem em nada da “teologia da prosperidade”, muito comum em algumas igrejas neo pentecostais que, enquanto o padre/pastor prospera largamente em bens e riquezas, os seus fieis seguidores continuam na mesma vidinha de explorados, sem ter, às vezes, o que comer e onde morar.
Enquanto isso, a Igreja dos pobres continua na mesma experiência das comunidades primitivas. A fé encarnada, mostra-nos por quais caminhos vamos seguindo, interpretando a cada dia os sinais do tempo, pela ação e presença do Deus dos pobres no seu meio. Uma igreja martirial e peregrina, de uma mística e fé encarnadas, lutando pela libertação integral das pessoas. Reúnem-se nas casas, embaixo das árvores, nos pequenos espaços de celebração, na simplicidade do Jesus peregrino, em caminhada consigo. Penso que é chegada a hora destas igrejas mirabolantes, olharem para a realidade das pequenas comunidades cristãs que se reúnem nas CEBs e, quem sabe, aprender delas como espelho da verdadeira igreja seguindo os passos do Nazareno, que se faz um com elas no dia a dia.