Iniciando mais uma segundona preguiçosamente. O amanhecer de hoje foi mais tranquilo. Felizmente, a fumaça deu uma trégua. Ao menos se pode respirar mais aliviado. Uma segunda em que fui tomado por um forte sentimento de notalgia. Com a sensibilidade aflorada, permiti-me que o meu coração divagasse entre a angústia das perguntas sem respostas diante de um Deus, embora presente, nos deixa atônitos com a realidade que vai se desenhando. Me despi em oração diante de Deus nesta manhã. Mais chorei do que balbuciei qualquer tipo de palavra. Acho que vivi em mim o mesmo sentimento que passou no coração do poeta Castro Alves (1847-1871) ao escrever “Vozes d’África”: “Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes”.
Rezei a oração de um ser angustiado. Tantas perguntas sem respostas, deixando o meu coração acabrunhado e triste. Onde está o nosso Deus afinal? Onde está Deus que levou do meio de nós, alguém tão jovem e cheia de vida dilacerando uma família inteira corroída pela dor da perda? Suyanne Michelle Camárcio de Oliveira, de apenas 20 anos de idade, partiu para casa do Pai, neste sábado (04), abrindo uma fenda no coração de seu papai, o professor Ezequiel Aguiar de Oliveira. Uma dor imensurável, que se expande à todas as pessoas a sua volta, mas nada comparado ao que está sentindo o coração despedaçado da mamãe desta acadêmica do 4º período do curso de Estática e Cosmética da Universidade de Gurupi (TO).
Entre uma angustia e outra, recorri à um dos mantras da cantora, compositora e musicista irlandesa Eithne Pádraigín Ní Bhraonáin, mais conhecida como Enya. Em momentos como estes, gosto da sonoridade das suas canções, que nos ajuda a entrar no Nirvana, que no Budismo, é aquele estado de libertação do sofrimento, numa forma de superação do apego aos sentidos, do material, da existência e da ignorância; a pureza e a transgressão do físico, a qual busca a paz interior e a essência da vida. Estado de espirito este que me fez lembrar de uma das perguntas que fiz ao meu professor de Teologia Moral: Porque Deus não tira os maus deste mundo? Ao que ele me respondeu: porque Deus dá a eles todas as chances possíveis de arrependerem-se de suas maldades.
“A oração é diálogo com Deus… Todas as criaturas dialogam com Deus. Mas no ser humano, a oração torna-se palavra, invocação, cântico, poesia… A Palavra divina fez-se carne, e na carne de cada pessoa a palavra volta a Deus em forma de oração.” Assim diz o Papa Francisco. Seguindo nesta mesma direção, rezei também a dor dos pais Antônio Galvão dos Santos Ivo e Stella Maris Alves Figueiredo dos Santos Ivo. Guilherme Figueiredo dos Santos Ivo, o eterno menino deste casal amigo, está prestes a completar 3 anos de sua páscoa na Páscoa do Ressuscitado. Um menino que marcou o seu encontro definitivo com o Pai aos 29 anos de plena juventude. Três anos se passaram, mas as lembranças de sua presença viva na família, é permanente. Nem deu tempo para que o jovem doutor em filosofia pela de UNICAMP, pudesse exercer seus vastos conhecimentos, depois de tanto estudar. Nas artérias tanto de Stella quanto de Galvão, corre aquilo que nos dizia Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.”
O que vale é que somos discípulos e discipulas do subversivo de Nazaré, como nos gostava de lembrar nosso bispo Pedro. Ele é o vencedor da morte. Passou pelo martírio da cruz, mas, Ressuscitado, vive em nós, por nós e conosco. A última palavra para Deus não é a morte. Aliás, “Deus não sente prazer com a morte de ninguém.” (Ez 18,32) Mesmo diante de tantas dificuldades, somos impelidos e desafiados a lutar pela vida, a começar dos pequenos. Como vemos jesus fazer no texto que nos é apresentado no evangelho de hoje. Ele vai a Cafarnaum, que está localizada no norte de Israel, na região do mar da Galileia, distante a 185 km de Jerusalém, a 50 km de Nazaré, sua cidade natal. Estando ali, em dia de sábado, subverte a ordem vigente, de uma vivência cega da lei. Oportunidade de fazer acontecer os sinais visíveis do Reino entre os pobres, oportunizando-lhes a vida, sem se importar se era ou não num dia de sábado. Jesus mostra que a lei do sábado deve ser interpretada como libertação e vida para a pessoa humana.
Jesus é Deus que se faz humano. O Galileu revolucionário que vem trazendo um projeto novo de vida para todos. Neste seu projeto estão inclusos os sofredores da história. Optou por caminhar entre os que nada valiam para a sociedade estruturada na Palestina. Numa sociedade que segregava as mulheres, as crianças, os pobres, os estrangeiros as prostituídas, Ele os escolhe, empodera e os traz para o centro, devolvendo-lhes o direito e a dignidade de filhos amados do Pai. E o mais importante, não só os traz para o centro, mas os constitui como destinatários primeiros do Reino de Deus. Jesus mostra-nos a face de um Deus que é partidário dos pobres e com eles vem morar definitivamente como presença inefável. Santo agostinho soube como ninguém traduzir esta ação de Jesus em pleno sábado: “Não basta fazer coisas boas – é preciso fazê-las bem”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.