A Bíblia Sagrada, como livro que reflete a caminhada de um povo, mostra a vida na sua realidade; marcada por conquistas, realizações, acertos e erros. Também o suicídio aparece nela como uma situação que alguns homens de fé sofreram num momento de profunda dor e angustia.
Encontramos na Bíblia seis pessoas que sofreram suicídio. O primeiro foi Abimelec (Jz 9,54), por sentir sua honra ferida, num contexto de guerra. O segundo caso de suicídio é de Saul, primeiro rei de Israel (1 Sm 31,4), quando se sentiu ameaçado de morte pelos inimigos. O terceiro caso é do escudeiro de Saul (1 Sm 31,4-6), o qual se suicidou em solidariedade ao rei. O quarto é de Aquitofel (2 Sm 17,23), o qual sofreu suicídio após ser contrariado, num contexto de ameaça a sua sobrevivência. O quinto a sofrer suicídio foi o rei de Israel, Zambri (1 Rs 16,17-18), quando ameaçado de morte pelas tropas inimigas. Por fim, o suicídio mais conhecido foi o de Judas Iscariotes (Mt 27,5). Este foi consequência de uma culpa por ter negado Jesus.
Desde cedo os cristãos firmaram sua posição contrária ao suicídio, partindo do pressuposto que Deus é autor da vida, sendo assim a vida é um bem supremo, e por isso inviolável. É nessa perspectiva que devemos entender o mandamento “Não matarás” (Ex 20,13), ou então as palavras do Senhor “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Em base na afirmação da sacralidade da vida, a tradição cristã sempre se opôs ao suicídio, afirmando a dignidade da vida humana, a qual ninguém pode tirar.
Por muito tempo os estudiosos cristãos ensinaram que a após a morte, a pessoa é julgada em base no último instante da sua vida, conforme o exemplo do ladrão perdoado por Jesus, sendo salvo devido ao arrependimento, no finalzinho da sua vida, na cruz (Lc 23,43). A consequencia dessa leitura teológica foi a afirmação que todos que sofriam suicídio estariam condenados ao inferno, uma vez que morreram em pecado grave, por tirar a vida. Essa interpretação bíblica favoreceu o desprezo total e o tratamento indigno a quem sofria suicídio, a ponto de ter o enterro em cemitérios cristãos recusados.
Atualmente os estudiosos da Bíblia já não pensam mais assim. Em base no evangelho de Mateus (Mt 25,31-46), entendem que após a morte as pessoas serão julgadas pelas obras praticadas, ao longo da vida. Não faria sentido uma pessoa passar a vida fazendo o bem para depois ser julgado por aquilo que fez de errado no último instante do seu viver ou vice versa. Deus considerará a totalidade da vida da pessoa e não apenas alguns momentos ambíguos.
A própria Bíblia quando menciona os casos de suicídios não faz condenações. Apenas menciona sem discuti-los. Hoje nossa missão diante da realidade do suicídio é afirmar o valor da vida, ajudando as pessoas viver plenamente. Para isso, devemos abandonar atitudes de juízos e condenações precipitadas sobre o sofrimento alheio.
Nossa atitude deve ser de acolhida e escuta atenta, para descobrirmos o que se passa com os outros e quais são suas necessidades reais. Essa foi atitude de Jesus, o qual sempre se colocava ao lado das pessoas sofredoras e feridas, numa atitude de compaixão. Hoje tal atitude é conhecida como empatia no âmbito das ciências humanas.
Padre Gilson José Dembinski, é graduado em Teologia, Filosofia. Especialista em Psicologia Pastoral, Teologia Bíblica e Ensino Religioso, Orientação Espiritual, Parapsicologia Clínica e Hipnoterapia. Formação profissionalizante: Introdução à mágica.