O uso da vara na Bíblia como método para educar as crianças: o que pensar?

Um assunto ainda muito controverso na educação se trata da palmada nas crianças. Alguns pais recorrem a Bíblia, para justificar o uso da vara e as famosas palmadas. “Quem poupa a vara odeia seu filho, quem o ama corrige cedo” (Pr 13,24; 22,15; 23,13-14; 29,15).

Antes de qualquer coisa, precisamos considerar um importante princípio do estudo bíblico, adotado pelo Vaticano II. Conforme a “Dei Verbum”, n.12: “A verdade se encontra em toda a Bíblia como uma unidade, porque a verdade foi revelada por Deus de modo progressivo”. Segundo esse princípio, devemos ler sempre o conjunto dos textos, considerando que há um progresso na revelação bíblica.

Por exemplo, o apedrejamento de pessoas por certos pecados, aprovados na lei de Moisés (cf. Lv 20,1-20; Dt 13,7-12; 21,18-21; 22,22-24; Nm 15,32-36), foi rejeitado por Jesus: “Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra” (Jo 8,7b). Diga se o mesmo da lei do divórcio, um direito antigo concedido apenas ao homem, que muitas vezes por motivos quaisquer abandonava a mulher, ferindo sua honra. Esse era autorizado por Moisés (cf. Dt 24,1-4), mas foi revogado por Jesus. “Por vosso caráter inflexível, Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres. Mas no princípio não era assim.” (Mt 19,8).

Não podemos continuar assumindo a punição física como recurso para disciplinar as crianças, em nome da Bíblia. Para os sábios de Israel que desconheciam o desenvolvimento cognitivo da criança e a ciência, naturalmente intuíam, conforme a mentalidade dos antigos, que a vara era a solução mais viável para não criar filhos rebeldes e para garantir a honra os dos pais. Todavia, do mesmo modo que nenhum pai atualmente usa o texto bíblico como normativa para apedrejar filhos rebeldes (cf. Dt 21,18-21), também não deve seguir recorrendo à orientação bíblica de Provérbios para insinuar a punição física dos filhos (cf. Pr 13,24).

O tratamento amoroso de Jesus para com as crianças é digno de uma reflexão mais profunda, para aceitarmos os estudos recentes sobre o tema em discussão. “Deixai as crianças e não as impeçais de se aproximarem de mim, pois o reino de Deus pertence aos que são como elas” (Mt 19,14).

Uma série de estudos avançados mostra que a palmada causa prejuízos no desenvolvimento das crianças, além de incitar a falsa mentalidade, que se resolvem as coisas com violência. As consequencias das punições físicas são inúmeras: aumento da probabilidade de agressão física, desenvolvimento de comportamento agressivo, formação de adultos desconfiados e agressivos, risco aumentado de transtornos mentais, desenvolvimento de problemas cognitivos, baixa autoestima, etc.

Um estudo feito por cientistas americanos, e publicado no jornal “Family Psychology” destacou que quanto mais a criança apanha, maior a possibilidade de se revoltar contra os pais no futuro e desenvolver transtornos mentais. A conclusão é fruto de 50 anos de estudo, que avaliou o comportamento de mais de 160 mil crianças e adolescentes. Diante das evidências, a Sociedade Americana de Pediatria, em 2018, reforçou seu posicionamento contrário ao recurso de punições corporais na educação das crianças.

Mas isso não significa que alguém está tirando o direito dos pais educarem, como poderiam deduzir alguns. Os estudiosos sugerem outros mecanismos e atitudes que são mais eficientes e saudáveis. Por exemplo: reforço positivo de comportamentos apropriados, definição de limites, redirecionamento e definição de expectativas futuras. Enfim, trocam-se as punições físicas por uma educação positiva, feita com amor e responsabilidade.


Para aprofundar, leia. Revista Crescer. Ed. Globo. Novembro de 2018.